segunda-feira, março 12, 2007

Sobrevivência na selva de pedra

Um dia passando na rua, observei bem um mendigo. Era negro, aparentava ter entre seus 45 a 50 anos, magro, com barba e cabelos mal tratados, usava uma bermuda e uma camisa rasgada e muito, muito desnutrido. Junto ele se encontrava pelo que parecia, sua família. Uma mulher, como ele muito magra, com cabelos crespos e muito duros, vestida como ele, também negra só que mais clara que ele, dava o que lhe restava de leite nas mamas a um bebê, bem negrinho, envolto em panos encardidos, estava subnutrido e chorava de fome. Chorava aos berros. O resto eram crianças magras, apáticas e sem alegria pedindo dinheiro para as pessoas que passavam na rua. Uma delas, uma menina, com seus aparentes 7 anos de idade abordou um rapaz e disse:

- Tio, me dá 10 centavos pra eu cumê?

Parado, ele olhou fixo para a garota. Fiquei impressionado com a expressão dele. Era a expressão de nojo. A garota magra e ossuda o deixava enojado. Olhei para ela, dei um sorriso. Ela me olhou, olhou o rapaz, fez um gesto obsceno e foi embora. O rapaz, muito bem vestido com terno e gravata, comendo um belo cheeseburger, para não deixar barato, xingou a garota e continuou o seu caminho. As pessoas ao redor a olhavam com maldade. Olhares de profunda indignação. Olhares reprovando e não aceitando aquele pequeno ser, como ser humano. Para aqueles que olhavam a criança, ela era um animal, ela era um ser sem alma.

Após alguns dias do acontecido, passei pelo mesmo local. Estava dentro do meu carro, era tarde da noite. Estava voltando para casa após um dia bem estressante e vi. Vi umas das cenas mais bizarras da minha vida. O pai da mesma família de mendigos briga com um cachorro pelo resto de comida que estava no lixo. Uns sacos de lixo preto, semi-abertos e cheios de restos do almoço e do jantar daqueles que ali o colocaram. Era luta entre a vida e a morte. O cão, um daqueles cães de rua brancos com manchas marrons e pretas, ávidos por comida e com seus dentes afiados, ameaçava avançar no homem. Este, porém, com um pedaço de paralelepípedo em mãos, com aquela mesma aparência de antes e com um olhar determinado se preparava para o ataque. Os dois se olhavam. Nos prédios da rua, as pessoas ligavam as luzes dos apartamentos e começavam a olhar e gritar. As pessoas xingavam o homem. Chamavam o mendigo pai de puto, viado, idiota, entre outros xingamentos. Eles não entendiam o que acontecia ali.Simplesmente não percebiam o que acontecia ali. Era o sono deles que importava.

O cão sem demora avançou em direção ao homem. O mendigo rapidamente se esquivou e, quando o cão deu a volta para atacá-lo o acertou na cabeça. O cão caiu desacordado. O mendigo pai se aproximou do cachorro, pegou a pedra e sem pestanejar, acertou de novo a cabeça do animal. Agora, os miolos do cachorro se espalhavam por toda a rua. Sem demorar, o homem pegou um dos sacos de lixo, abriu, colocou o cão e seus miolos dentro. De longe dava para ver a expressão de felicidade dele. Num grito bem alto ele dizia:

- O rango das criança tá aqui! - exclamava ele com a sua comida no saco. Alguns vigias dos prédios exclamavam xingamentos das mais baixas categorias.

- Filho da puta do caralho! Vai embora seu porco, nojento da porra! – dizia um deles.

- Saí daí seu comedor de lixo nojento! – diz outro – Os patrão tão me reclamando por sua causa.

Ninguém sabia que ali, um homem feliz ia mostrar para o que conseguiu. Sem demorar, liguei o carro e fui atrás do mendigo que agora estava dobrando a esquina.

Ele entrou em um beco. Parei perto dali, desci do carro preocupado, pois era uma região perigosa e fiquei num poste na entrada do beco. Logo na entrada, se via o estado do beco. Escuro, cheio de papéis jogados pelo chão, fedia a fezes, urina. O homem foi se direcionando até uma fogueira. Me esforçando para ouvir o que diziam, consegui ouvir um pedaço da conversa.

- Maria, olha o que eu peguei na rua! – disse o mendigo lhe mostrando o conteúdo dentro do saco.
- Êta porra! – exclamou Maria, com o bebê nos braços, que pelo que percebi, não havia se alimentado muito e continuava chorando – Vamo cumê bem hoje!

- Oh os minino, acorda que a cumida chegou! – falou o mendigo chamando com as crianças.
Todos estavam felizes em comer aquela comida podre. As crianças comiam e lambiam as pontas dos dedos saboreando os restos fétidos de arroz e salada. Uns rapazes passaram no pelo beco e começaram a caçoar da família. Gestos obscenos, risadinhas de deboche, objetos sendo jogados na família. Playboys da noite da cidade grande querendo se diverte. Músculos e dinheiro contra pobreza e fraqueza. Um deles saca uma arma. Aponta para Zé, que está em completo pânico e ri. Os outros riem de chora por causa da cena. O pitboy com a arma dá um tiro para cima e corre com os outros. Zé e Maria estão atônitos com tal cena e tentam acalmar as crianças que choram.Então, Zé abri o saco e tira o cachorro morto.

- Zé, e esse cachorro? – perguntou Maria me fazendo descobrir o nome do mendigo.

- Nóis vai é cumê! Vô coloca ele na fuguera! – dizia Zé, agora com a mesma cara apática de quando eu o vi pela primeira vez. Zé pegou o cão e tratou de amarrá-lo com pedaços de cadarços em um pedaço cilíndrico de ferro e foi assar o cachorro.

Passei horas olhando aquela família saborear aquela comida que era a única que eles tinham. Essa noite, pelo que notei, foi um banquete. O cachorro após algamas horas assando, foi saboreado com um grande porco assado pela família. Os miolos também foram servidos. A ceia da família.
Quando acabaram, Zé, Maria e as crianças foram deitar. Cada um em seu jornal ou papelão espalhado pelo beco. Então, após ver tudo aquilo, fui para casa comer meu pão com manteiga, queijo e presunto, acompanhado de umas bolachas água e sal, bebendo café e fui dormir.


Sanção Maia