sábado, abril 07, 2007

Prelúdio do desperdício e da loucura. Ninguém mais respeita a fome

Sábado, 22 de março de 2007. São 21h40. A noite está quente, afinal, é verão. Na rua atrás do shopping Iguatemi, há um homem deitado na calçada. Jogado ao chão, cabelos despenteados e embaraçados, só de bermuda, completamente sujo e fedorento, o indivíduo sente dor de fome e suas entranhas se contorcem. Há dias que ele não sabe o que é o sabor delicioso de comida. Deitado no chão, ele se vira de um lado para o outro com dor, com o gosto amargo da fome em sua seca boca. Uma barata passa por seus pés. Ele não tem ação; ele está faminto.

Sábado, 22 de março de 2007. São 21h46. Uma família está no 3º piso de shopping Iguatemi, exatamente na praça de alimentação; dois adultos e seis crainças; 6 kits de Mc LancheFeliz. As crianças mau dão atenção a comida: Hambúrgueres, refrigerantes e batatas fritas são trocados por bonecos do Bob Esponja. Afinal, para que se alimentar? É importante ver quase 65 reais em comida jogados fora? As crianças mordiscam alguns hambúrgueres, bebem pequenos goles de refrigerante e vão embora sem comer as batatas: 6 Bob Esponjas saem felizes do shopping. Um funcionário olha todo aquele desperdício de comida e joga tudo no lixo; baratas e ratos estarão bem servidos hoje.

Sábado, 22 de março de 2007. São 22h05. O shopping Iguatemi está de portas fechadas. Os funcinários da limpeza levam o lixo para fora - vários sacos de lixo entupidos de comida. Os funcionários olham toda aquela comida, balançam a cabeça negativamente e saem falando da eliminação de Alberto do Big Brother 7. Uma pilha de comida toda apodrecendo no lixo. Um homem que está ali próximo jogado no chão, olha aquilo como uma mina de ouro. Seu corpo mau se mexe por causa nas dores no abdômem. Na sua mente um único objetivo: Comer! Ao tentar se levantar vê uma barata passando por seu pé  e pega a barata; ele não se importa com as doenças que podem ser passadas; ele só se importacom o banquete. Ele mastiga a barata como se fosse uma torrada cheia de manteiga. O som dele mastigando a armadura da barata e crocante. Crouch, crouch, crouh e glup! Ele engole a barata e bate na barriga. Agora ele vai e encontro com seu manjar dos deuses.

Sábado, 22 de março de 2007. São 22h32. Os sacos de lixo do shopping Iguatemi estão sendo rasgados. Um mendigo se alimenta da comida podre do lixo. Ele acaba de comer um Big Mac cheio de larvas de mosca e baba enquanto mastiga - uma baba sedenta por comida;  seu corpo magro e ossudo sente-se forte ao comer aquela porcaria. Um rato grande, vindo dos esgotos da Avenida ACM, passa e olha toda aquela comida e vai de encontro a ela. O homem olha o rato e o espanta, mas este continua a investir em cima da no monte de podridão. Então, o homem toma uma decisão: seu rosto maléfico diz algo. Ele pega a ratazana e essa por sua vez, o morde; ele não largou o bicho; chega perto do rato, abre a bocarra e com uma mordida tira um pedaço das costas do rato. O rato se debate na mão do homem. Este ri e com a boca toda ensangüentada, morde outra vez o rato. O bicho é largado morto no chão pelo homem. O morador de rua, todo sujo de sangue, olha o rato e pisa em cima: suas tripas explodem tamanha a força usada pelo indivíduo. Nada vai tirar daquele ser humano o direito de ter uma comida só dele. Nada.

Sábado, 22 de março de 2007. São 23h10. O homem ainda come a comida do saco de lixo. Uma viatura da polícia procura um vagabundo comedor de lixo. Os garis da Limpurb denunciaram que um maluco comedor de ratos estava no lixo do shopping Iguatemi avançando em qualquer um que tentasse chegar perto. A polícia logo identificou o elemento. Eles olham com desprezo e raiva para aquele homem. " Meu turno vai começar com uma disgraça dessa!", pensa um policial. Os guardas descem da viatura, um Chevrolet Meriva 2005, 1.8 e olham o homem e este devolve o olhar. Desconfiado, o mendigo começa a se afastar: os policias vão chegando mais perto; o homem vai se afastando mais ainda. Quando um dos policiais estende a mão para falar com o daminto, este o morde e saí correndo. O parceiro da vítima abocanhada vai atrás do meliante. O homem corre deseperado para o Caminha das Árvores; o policial, tendo em média seus 25 anos, bem alimentado e frequentador de academia corre atrás dele. O meliante corre. Corre como uma flecha! Corre como uma bala! CRASH! O homem é jogado para longe pelo carro que acabou de atropelá-lo. Ele sai rolando no chão e cai sentindo muita dor. Sua perna direita está quebrada. Fratura exposta. O sangue escorre pelo asfalto. Na perna machucada, o osso da canela está quase todo para fora.; ele não tem forças para gritar por tamanha dor que sente.

Domingo, 23 de março de 2007. São 00h10. No lixão de Salvador, no CIA/Aeroporto, uma viatura da polícia acaba de chegar; os policiais descem do carro, abrem o porta-malas e tiram um corpo. Um homem com uma fratura na perna direita é jogado para fora do porta-malas do Meriva e colocado em cima de um monte de lixo. Os policias se deliciam em começar a chutar um mendigo indefeso. O guarda que levou a mordida do meliante chuta bem na perna quebrada. - HaHaHaHa! - riem os policias ouvindo os gritos de socorro do homem magro e com a perna ensangüentada. E então, num ato de extrema crueldade os dois polícias sacam as suas armas, duas pistolas calibri 38 e disparam todas as balas no homem indefeso e machucado. "Queijo suíço", pensou um deles. Ao terminar as balas, os polícias entram no carro e vão embora como se nada tivesse acontecido.

Domingo, 23 de março de 2007. São 07h00. O cheiro do cadáver chama os urubus. Eles hoje tem o que comer. Um manjar dos deuses. O manjar da injustiça, da fome e da desigualdade.