quarta-feira, agosto 10, 2011

Crônicas do busão - A pauta do dia

Eram quase 7 horas da manhã e o caminho para o trabalho estava na metade. Sabe como é: toda aquela “empolgação” de uma segunda-feira dentro de um ônibus lotado – passei 15 minutos em pé sendo imprensado por pessoas dos mais diversos cheiros: desde espantè negrinhè até a famosa catinga. Quando sentei, fiquei ao lado de uma senhora que com uma "silhueta exagerada", que me esmagava contra a janela e também tinha um perfume especial. O busú subia a detonada Ladeira da Montanha - famosa por seus usuários de crack e prostitutas baratas - devagar, por causa do peso. O veículo passou por dois homens que penduravam cartazes ininteligíveis por causa da velocidade do busão.  Os paralelepípedos, o asfalto e a visão da Baía de Todos os Santos com suas águas azuis combinando com o céu anil conseguiam prender a atenção até mesmo dos mais revoltados passageiros.

O ônibus parou no semáforo: Castro Alves aponta para um conjunto de casebres do outro lado da rua; mesmo morto, o poeta ainda luta pelos seus iguais. O sinal esverdeou e o ônibus virou para Carlos Gomes. Um forte cheiro de lixo invadiu o coletivo. A senhora achou que tava em casa e tossiu alto no meu ouvido; valeu os gritos do Dave Grohl e as guitarras do Foo Figthers por abafarem aquele som de cachorro sendo espancado.

 O dia ainda clareava vagaroso. Como dízimo, o ônibus parou em frente à Igreja Universal do Reino de Deus e bem ali aconteceu à pauta do dia: ao olhar para o outro lado, um casal de moradores de rua passeava de mãos dadas. Para muitos nada de mais, só que a felicidade estampada nos rostos deles me chamou atenção ; ambos estavam sujos e provavelmente fedorentos; roupas maltratadas, cabelos desarrumados, mas tinham delicadeza em cada gesto. Eu sorria, não por ter visto algo engraçado, mas por ver que até mesmo em meio à demonstração da falta de cuidado da sociedade se encontram pessoas capazes de se amar. Enquanto as pessoas subiam e desciam eles se olhavam e riam românticos e apaixonados.

Foi aí que eles pararam. O homem com cabelo e barba enrolados e a mulher pequena e com roupas muito maiores que o tamanho dela; ele se aproximou e a olhou; ela se afastava com certo receio; ela tentou abraçá-la e ela se afastou; ele tentou novamente e ela se afastou, ele conseguiu. Ele tentou encostar os lábios nela e ela hesitou, mas não demorou pra acontecer o beijo. Foi um selinho, dois selinhos e um beijo desentupidor de pia digno de Tony Ramos e Glória Pires no final da novela das 20h. Ela era baixinha e ele a puxou pela bunda magra para cima. O amasso continuou – Deus é mais! – falou algum idiota com cheiro de esgoto perto de mim. O motô arrastava o carro e eu ria; o motô arrastava o carro e eu ria.

O caminho continuou com fedores, falta de espaço e educação no mesmo lugar. Talvez ninguém tenha percebido, mas nessa segunda de “empolgação”, a miséria perdeu - pelo menos uma vez - para o sentimentalismo. E lá fui eu para o meu dia...

Sanção Maia
08/08 até 10/08.

2 comentários:

Jairo disse...

Agora sim, manolo!

Marla Patrícia disse...

Nossa que Legal Sanção, você broca nos textoos u.U