segunda-feira, novembro 05, 2012

Meus dias de rock'n roll - Final


Para entender leia parte 1 e a parte 2. Boa Leitura!


I
A gravação do primeiro e único disco aconteceu em janeiro de 2007. Lembro que esse foi um período difícil pra gente: minha avó estava nas últimas e a mãe do The Dogs teve o diagnóstico de câncer de mama. Foi nesse período que o The Dogs começou a parar de beber e fumar - hoje em dia ele realmente não faz as duas coisas - e eu decidi que não fumaria maconha para fazer as músicas do cd. Assim, na primeira quinzena de janeiro, entramos em estúdio para gravar o tão sonhado disco de estreia.

O cd tinha onze músicas: seis foram regravadas - Eu vou fazer um rock'n roll, Minha mãe faz rock'n roll, Matilde, maldita!, Rock do busu, Aconteceu na Piedade, A gata do fundo da sala - e as outras cinco foram compostas no estúdio mesmo: O velho peso do céu - uma balada em homenagem para minha avó -; Nas tetas dos anjos - a mãe do The Dogs sempre foi uma ótima piadista, então, decidimos fazer um punk escroto sobre uma senhora que tinha câncer de mama e era sacana com todo mundo -; Dessa vez, foi - essa foi para parabenizar a Lisandra pelo vestibular -; Bernadete e a Maria Joana - não fiz o disco chapado, mas já tive muitas histórias. Uma vez conversei com um poste pensando que fosse uma mulher e que ela se chamava Bernadete... Tudo isso sobre efeito da Maria Joana - e Coloca o cinto que o Trevoso vem aí! - era uma homenagem ao meu carro querido, que nesse período já tinha histórias fantásticas.

II
Durante o processo, o Trevoso quebrou uma três vezes enquanto íamos para o estúdio. O Lima chamava ele de "o atrasa lado mais fodido do mundo"; o Miltão chamava de "aquecimento filho da puta"; a Lisandra chamava de "banheira do amor em construção" (e já me perguntaram o motivo de eu ter me casado...). Esse disco nos uniu, não só pelo som, mas por tudo que passamos até ali. Naquelas gravações, não foram apenas os acordes que foram acertados, mas nossos laços de amizade se fundiram com a música.

Nossa sintonia havia mudado e nós, melhoramos: o Cabron aprendeu a controlar a voz, o The Dogs havia aprendido novas viradas, eu já tocava o baixo com uma influência do funk - nesse período, eu tava ouvindo muito Red Hot e Funkadelic - e o Miltão virou o nosso bandleader. Começarmos a entender que a banda não podia ser aquele grupo de moleques de 2005, mas caras profissionais que tocavam pra valer. Começamos a nos tornar ótimos e esse foi o nosso problema.

III
No início de fevereiro, terminamos o "Coloca o cinto que o Trevoso vem aí!" e o levamos para nosso primeiro show num festival de rock em Feira de Santana. Havíamos tocado num clube velho pra caralho, na primeira vez que fomos lá. Lembro de ter gente subindo no palco e pulando na galera (o bom e velho mosh). O público curtiu mesmo e fiquei muito feliz de tocar lá e de ter voltado não com um EP mal gravado, mas com um CD completo.

O show foi incrível, vendemos muitos cds e o lugar ficou lotado - tivemos até camarim. Pra gente, camarim era coisa de rockstar dos bons. O mais importante: no outro dia, vários sites comentavam a volta dos ex-Strikes Flythers e agora Careca Trevoso. Alguns falavam de "a nova cara do rock da Bahia" ou "Careca Trevoso: o The Clash da Bahia". Nem acreditávamos na repercussão. Depois disso viajamos por vários cantos da Bahia: Paulo Afonso, Juazeiro, Jequié, Irecê, Vitória da Conquista, Itabuna. Também chegamos a tocar em Petrolina e Aracaju. Em Salvador, chegamos a tocar no Palco do Rock daquele ano. O Trevoso já tava famoso na cidade (e eu plotei o nome da banda no lado do carro).

Os meses passaram e criamos músicas novas, compramos coisas novas e mudanças aconteciam: eu larguei de vez a maconha, o The Dogs não fumava e nem bebia mais, o Cabron começou a trabalhar numa loja de roupas e o Miltão num loja de instrumentos musicais. A mãe do The Dogs melhorou e a minha avó já havia morrido. O vestibular estava chegando e todos decidimos estudar para poder entrar em faculdades.

IV
Já estávamos perto das provas e do fim do ano, quando intensificamos as brigas. Os shows continuavam e o The Dogs e o Cabron queria apenas ficar na banda. Eu e o Miltão achávamos que ficar no trabalho seria mais certo pra dar um futuro ao grupo. Não gostava da papelaria, mas precisada daquela grana pra pagar minhas contas - principalmente, que eu e a Lisandra depois de terminarmos (a única vez que isso aconteceu, pois inventei de ir chapado a casa dos pais dela. Eles não perceberam, mas ela sim e decidiu terminar comigo. Um tempo depois, voltamos e decidimos que deveríamos morar juntos) - e manter o Trevoso. Além disso, eu e o Miltão queríamos fazer faculdade.

Desde o show em Aracaju, em setembro de 2007, as coisas começaram a ficar tensas. Não de brigas homéricas em camarins, mas estávamos começando a sentir o desgaste da relação amizade/banda. Principalmente o Cabron e o Miltão. Eles queriam dividir a liderança da banda - que existia mais para organizar a coisa. Éramos todos os líderes, mas o Miltão sempre tomava decisões rápidas e certeiras, já o Cabron gostava de reuniões demoradas e chatas. A coisa piorou, pois nessa apresentação o Miltão improvisou um solo lindo quando tocávamos "Coloca o cinto que o Trevoso vem aí!". A partir daí foram muitas discussões. Até um peido durante os ensaios gerou uma briga - eu tava me sentindo mal. Foi a feijoada lá do Bar do Seu Buiú. Peidei e o The Dogs implicou. Larguei o baixo e saí pra fumar um cigarro. A gente começou a perceber que o fim estava próximo.

V
E assim chegamos em 2008. Demos um tempo dos shows e prestamos o vestibular. Os resultados foram esses: o Miltão ia a segunda fase de música na UFBA, The Dogs perdeu em direito na UCSAL, Cabron passou em engenharia civil na UEFS e eu passei em design na UNIJORGE. Antes da festa de comemoração - chamamos os amigos pra um churrasco na casa do Cabron, lá em Vilas - fizemos algumas reuniões. Durante o vestibular paramos de nos falar para estudar. Foi então que o The Dogs, veio puxando o papo.

- Bem, perdi. Não queria essa merda mesmo. Quero fazer jornalismo.
- Bem a tua cara aparecer na tv apresentando o Bahia Meio Dia – rimos, mas tempos depois o The Dogs virou produtor do programa.
- Galera, acho que temos que ter um bom papo - as iniciativas de conversa séria sempre eram do Miltão e dessa vez não foi diferente.
- Primeiro, eu vou assumir uma coisa: eu sou bissexual. E ficava com alguns caras durante os shows.
- Assumir o que a gente já sabia? - Tive que perguntar isso. Todo mundo sabia dos casos deles com os produtores de alguns shows ou as festinhas com algumas meninas que ficavam no palco.
- Como assim "a gente sabia"?
- Colé cara, todo mundo sabe desde que você fez um mènage com a Tina e o Lucão lá do cursinho - sim, a gente sabia. Vimos fotos no pc dele. Além de ter fotos dele com outros caras que conhecíamos em momentos íntimos.
- Ok... Outro assunto, tá? - rimos muito nessa ora - E vocês, não se importam?
- Man, tu é irmão. Se você gosta de ser assim beleza - nos abraçamos. Sempre falamos isso: seja o que for, somos irmãos.

E assim começamos a conversar e colocar tudo em panos quentes. Eu assumi que tava cansado de tocar o tempo todo e que tava na hora de ficar quieto e viver minha vida com a Lisandra - um tempo depois eu a pedi em casamento -; o Miltão queria estudar mais pra segunda fase da UFBA; o Cabron ia morar morar em Feira; e o The Dogs ia estudar novamente pro vestibular. Decidimos que era hora de acabar.

VI
Depois disso tínhamos mais sete shows pra fazer. O último seria na Concha Acústica. Fizemos a propaganda do fim da banda. Alguns fãs da banda mandaram mensagens de "como assim?", "tá querem me quebrar?", "que porra é essa?" e por aí vai. O Orkut, o My Space, o Twitter e o Facebbok da banda estavam lotados dessas mensagens. Não respondemos e deixamos para falar no show.

Era dia 11 de março de 2008. Além da gente, ia ter o Marcelo Nova tocando também. Abrimos esse show - memorável pra gente - e o Cabron explicou:
- Somos grandes amigos. Esses três caras aqui são meus irmão. Decidimos seguir novos rumos. Mas talvez um dia, estejamos de volta nesse palco - Muitos aplausos soaram pela arena da Concha que estava lotada. Não sabíamos que tanta gente gostava de gente e ficamos felizes em ter feito algo tão grandioso para nós. Após aquele show cada um tomou seu rumo, mas não perdemos contato.

Hoje, seis anos depois do início dessa loucura, envelhecemos um pouco. O Miltão virou professor de música, o The Dogs conseguiu fez jornalismo e trabalha numa emissora de TV, o Cabron mudou de engenharia civil para engenharia da computação e voltou pra Salvador. Todos estão casados - O The Dogs arranjou uma chilena linda e o Miltão um casamento aberto com um moça muito simpática que nasceu em Xique-Xique -, quer dizer, o Cabron tá em processo de divórcio. Eu casei com a Lisandra e trabalho numa agência de publicidade e faço freelancers. Ela tá grávida de uma menina. O Trevoso virou lenda e vendi para um ferro velho. Era melhor vê-lo lá do que na mão de algum cara que ia colocar o adesivo "É nóis na fita" ou "Foi Deus que me deu" nele. Agora tenho um Pálio 1.4 prata.

- Então, eu vou fazer um rock'n roll - opa, celular tá tocando.
- Alô? Miltão! Diga, meu filho?
- Que horas? 15h lá no Bar de Seu Buiú?
- Ok, a Lis tá no trabalho. Tá bom, valeu. Vamo no Lima sim. Abraço.

Bem, talvez os dias de rock'n roll não tenham morrido completamente...


Sanção Maia
01/11/2012

segunda-feira, outubro 15, 2012

Novidades rápidas

Olá queridos!

Bem, vamos as rápidas novidades. A série Duas Caras chegou ao fim. Sem protestos. Ela chegou ao fim apenas em prosa. As próximas edições serão em HQ! Sim, a nossa detetive-assassina preferida agora terá seu próprio quadrinho e, óbvio que os desenhos ficarão por conta da Lila Cruz! Então, aguardem tanto no Cafeína, tanto aqui no Canto do Sanção essa novidade! :D

quarta-feira, agosto 01, 2012

Duas Caras - Parte 2

Para enterder mais lê a parte 1.

O som da água do chuveiro no chão é forte; a fumaça do banho quente se espalha pelo quarto; o corpo relaxa a cada batida das gotas d'água. Depois da tocaia e da ação, Sandra Vilma do Rosário Aleluia - ou se você preferir, detetive Vilma ou Sandra, a especialista ou Vivi, para sua mãe ou Sandroca, para seu falecido pai ou Filha da Puta, para muitas pessoas - pede descanso. Ao terminar a ducha tão desejada, desliga o chuveiro, abre o blindex, pisa no pano de chão para pegar a toalha e se enxuga. Enquanto ela seca com cuidado o curvilíneo corpo de 1,70 de altura com peso de 68 kg, Sandra (nesse momento, pois é um trabalho de matadora) olha seus cabelos recentemente pintados de loiro para o serviço, tira-os do seu rosto e observa melhor os "espólios" da noite: seu supercílio direito cortado, a bolsa do olho esquerdo roxa, boca cortada e, provavelmente, um dente quebrado. "Me exaltei. Merda tinha que manter o controle" pensa ela, enquanto sai do banheiro, vai até o frigobar na parede oposta da cama do quarto e pega gelo para botar na canela direita que está cortada e inchada.


Sandra sabe o porque de ter se desconcentrado e se machucado tanto durante a briga. Nem mesmo os ensinamentos de jiu-jitsu (faixa preta), muay thai (já é uma atleta avançada) e boxe (foi campeã amadora) a fizeram escapar de umas boas porradas - ela lutou com 12 homens, sendo que dois estavam com facas, um com uma barra de ferro e o restante de mãos nuas mesmo. Ela ajeita os travesseiros moles e recosta com dificuldade (por causa da dor na costela) e liga a tv; vê que passa no Corujão "Desejo de Matar", com Charles Bronson, e cai em prantos. Ela não precisava trabalhar nesse serviço hoje e nem muito menos matar um ex-amigo de infância. Sim, Marcelo Marlon Mangabeira, criminalmente conhecido como Marcelinho Boca Nua, morava na mesma rua que ela quando criança. “Ele vivia lá em casa. Era um bom homem, só foi pro caminho errado. Quando eu ia saber que ele era meu alvo?”, pensava aos prantos. Ela olhou para a bolsa em cima da mesinha de cabeceira do lado direito da cama, de cor marrom encardida, pega-a, abre e procura a carteira de cigarros e o isqueiro; aproveita também para pegar o cinzeiro na gaveta da mesinha. “Seis meses sem fumar pra nada, né? Adeus, clareamento dentário” reflete ela, que voltar a chorar (mais ainda) ao lembrar que Marcelinho Boca Nua tinha esse apelido por não ter dentes – devido ao uso do cigarro e falta de escovação. Na infância, ele tinha o apelido de Marcelinho Bafo de Esgoto - para clarear.

O cigarro está aceso e ela bafora com vontade. Sandra observa o ventilador de teto que mal funciona balançar – ele também está sujo e dando raiva nela, pois aprendeu com a mãe a ter mania de limpeza - e olha para tela da tv. Assistir Charles Bronson e matar um amigo de infância no dia 07/05, para Sandra, é complicado. As imagens da tv mudam automaticamente para a "sessão das lembranças": o canal 1, mostrava imagens de quando ela morava no interior e corria pelo chão de terra batida do sertão junto com as galinhas; no 2, Sandra se via com sua família quando foram para Salvador morar num apartamento de dois quartos no Cabula; já no canal 3, ela andava de bicicleta em frente a seu prédio; no 4, seu pai saía para trabalhar e beijava sua testa; no 5, ele não voltou mais; no canal 6, ela e sua mãe choravam no velório, exatamente em cima do caixão. Seu pai lembrava Charles Bronson - com a pele mais morena e mais parecido com um índio pataxó de bigode mexicano – e adorava os filmes do ator. “Enterrei o velho nesse dia, enterrei o velho nesse dia”, repetia em sua cabeça essa frase e tentava se ajeitar na cama para sentir menos dor.

Depois de alguns minutos, ela acende outro cigarro (já é o terceiro) e volta a pensar na briga – um cisco caiu no olho machucado, então é difícil não lembrar da confusão. Sandra revê a ação desde o seu primeiro movimento: a descida no hotel. O cliente, o mesmo que a contratou para matar o Catiça, gostou do portfólio (um site criptografado com vídeos de alguns assassinatos) da moça e quis um serviço novo; o pagante a mandou para essa pequena cidade na região rural da região rural de Feira de Santana para matar um traficante de drogas, que tinha como fachada, uma empresa de produção de polpa de frutas - que tinha como característica principal à falta de dentes - e confirmou que ninguém sabia da sua chegada. Ela mal colocou as malas no hotel, descansou e foi, à noite, para o bar; mal sabia ela que o seu alvo era um velho conhecido que a reconhecera.

- Sasá? É você muleca?
- Marcelinho? Meu Deus, não é possível! Como você veio parar aqui, menino?
- Sou um empresário. Estou trabalhando na produção de polpas de frutas na região. E você o que faz por aqui?
- Estou de férias e decidi percorrer a Bahia.
- Você tá linda, nega. Essa é a minha galera. Rapazes, Sandra; Sandra, rapazes - eles se cumprimentaram.
- O que aconteceu com seus dentes? - Sandra já sabia que ele era o alvo, por causa da sua peculiar característica.
- Perde tudo minha filha. Nunca gostei de escovar os dentes e comecei a fumar. Aí já foi.

Conversa vai e vem, ele a convidou para ir para sua casa. Era um sítio grande a poucos quilômetros da cidadezinha. A casa principal era pequena – dois quartos, uma suíte, banheiro e cozinha. Após alguns goles de licor de jenipapo, ela pede para ir no banheiro e nervosa, não percebe que um dos 12 caras a observa de um buraco pequeno na parede, em frente ao vaso sanitário e vê - além da genitália da Sandra - uma pistola no chão. Depois disso, todo mundo sabe: ela saiu do banheiro, eles fizeram perguntas, a renderam e levaram-na para um dos quartos; eles a amarram numa cama, bateram um pouco e tentaram matá-la; ela se soltou das cordas e matou todos os capangas depois de roubar as duas facas; por último, Sandra matou o Boca Nua enquanto ele se servia de mais licor na cozinha e falava no telefone: “Não imaginei que fosse uma amiga de infância. Porra, os caras confirmaram que ele tava armada com um .45 rapaz. Não me sinto b...” furo na barriga seguido de corte no pescoço. "Matei o Marcelinho. Pai, eu matei o Boca de Lixo, quer dizer, o Boca Nua, quer dizer, matei mais alguém. E com quem ele falava?", reverberava na sua cabeça, quando filmava o corpo da vítima - e perdeu o equilíbrio quando pisou no licor jorrado no chão e misturado com sangue esparramado na cozinha - e se preparava para por fogo na casa. 

Sandra não aguenta mais chorar, sucumbe ao cansaço e dorme. Se não fosse isso, passaria a noite acordada. “O dia 07/05 é um dia de morte”, dizia baixinho, dormindo encolhida na cama do hotel. Amanhã é dia de ir embora o mais rápido possível para ficar com sua mãe e ouvir os sucessos do Tim Maia. A assassina precisa de descanso; a assassina precisa de um novo clareamento dentário.

Sanção Maia
31/07/2012

terça-feira, julho 03, 2012

Duas Caras - Parte 1

Essa é a mais nova série do blog. Dessa vez, vou me embrenhar pela tentativa de trazer um pouco de textos policias - contos e narrativas sobre detetives ou criminosos - para essa bodega. Então, sem mais delongas é hora de novidade nessa bagaça!


É difícil manter uma reputação. Duas então é complicadíssimo! Nesse momento, mantenho a carreira mais lucrativa: assassina profissional. Engraçado pensar nisso enquanto termino de catar os miolos de Gilseu Vasconcelos, também conhecido como Gil Catiça. Esse cara – quando você mata e sente o cheiro das suas hemorróidas pútrefatas, você entende o motivo de ser chamado de Catiça - roubou outro cliente meu, do meu outro emprego: detetive particular. É estranho, mas é conveniente - afinal é muito bom você receber dinheiro de dois caras, um deles morrer e não te cobrar o término do seu serviço com ele. Esse meu outro cliente é um ricaço que descobriu que o Catiça roubou uns milhões dele durante uma negociação com uns norte americanos. Sei que é uma fachada para trazer drogas para o Brasil – o documento oficial diz que eles vão trazer lençóis para hospitais-, mas tenho que garantir o meu né? O cara me contratou tanto como detetive quanto como matadora, só que não sabe que tenho os dois empregos. Ai que nojo essas "tripas" cerebrais!

Detesto matar em motel barato: são apertados, fedorentos e chatos para limpar. Acho que a estética tosca do local me dá raiva e não consigo ficar só pra limpar a sujeira feita por mim. Hoje mesmo, eu não sabia que uma .45 faria tanto estrago na cabeça do Catiça, mas acho que o “cliente” vai gostar. Fiz um buraco gigante na entrada e um super gigante na saída. - Uh! Uh! Uh! Que beleza! - Aí meu deus! Meu celular toca agora! Cadê a minha bolsa? Quando o Tim Maia, chama tenho que atender logo o celular. Opa acho que pisei num pedaço da cabeça! Eca! Aí, vem bolsa. Eu tinha que colocar logo no sofá, na entrada do quarto! Ai, peguei!

- Oi Mãe! Como à senhora está?

- Filha, eu tô bem e você? Pensei que você vinha me ver hoje.

- Tô trabalhando mãe, caso novo. Te ligo mais tarde.

- Que som é esse? Barry White? Onde você tá?

- Eu tô na... tô... É...Na cola de um suspeito mãe! Confidencial!

- Confidencial é o caralho! Conta log...

Desliguei. Se minha mãe souber que tirei a vida de uma pessoa só por dinheiro ela é quem vai me matar.

Essa coisa de perseguir o cara de manhã e matar a noite é uma tarefa que demanda sacrifícios – além do fato de sacrificar alguém para outra pessoa. Eu gostava de um emprego que eu podia descansar nos finais de semana, sair com algumas pessoas, ver a família com mais tempo. Esse me dá uma grana boa e adoro os dois, mas já tem um tempo que tenho essa vida dupla, sabe? Ficar ouvindo “quero um serviço limpo” ou “meu marido, aquele filho da puta, está com outra” cansa. São já alguns anos nessa ladainha e quero algo diferente: um petshop, uma confeitaria, uma banca de jornal; qualquer coisa que me afaste um pouco de investigar crimes e cometê-los. Quem sabe né? Acho que fazer bolos é bem melhor que limpar miolos.

Ufa, depois de trinta minutos, posso sair. Tomei um belo banho frio, fui obrigada a matar aquela barata enorme no banheiro – eu devia ter deixado ele vivo pelo menos pra matar essa coisa nojenta. Agora é sair pela janela, aproveitar a noite. Esse nem dava pra transar, porque com aquele fedor, nem pensar. Acho que eu vou numa boate, dançar até cair. Não quero nem parceiro e nem parceira de cama hoje. Afinal, Vilma, a detetive e Sandra, a assassina precisam relaxar.


Sanção Maia
23/06/2012 até 03/07/2012

quarta-feira, maio 16, 2012

Crônicas do Busão - Sempre mais do mesmo


Adoro tempo nublado, mas em Salvador é foda. Acordei 5h30 pra pegar o ônibus das 6h; são 6h50 e o busu não chegou; o ponto tá cheio, tá tudo molhado; um engarrafamento enorme, carros passam pra dar banho em quem tá aqui, na labuta do transporte público. Minha calça jeans azul – agora azul cor de fazenda – e meu capote (alguém ainda chama agasalho assim?) com gorro estão molhados por causa de um filho da puta que passou por uma poça pra me molhar quando estava a caminho do ponto. Espero que o carro dele quebre ou que seja assaltado ou seja parado pela Transalvador ou, até, preso pela Polícia Federal por tráfico de drogas. Bem, não adianta: a cidade é feita de papel e quem sofre com isso somos nós, meros mortais que usam o já péssimo transporte público.

Aqui mesmo, nesse ponto do Extra Rótula, tem água pra caralho na frente do ponto e o povo espirra feito lou... - SPLASH, SPLASH, SPLASH! -... Com gritos de “porra”, “filho da puta”, “vá tomar no cu” e “capota o carro viado” – esse grito foi da tia que vende salgados, bolos e cafezinho que teve tudo molhado – alguns usuários do transporte público soteropolitano se revoltam. Eu também me revoltaria se não conseguisse me proteger atrás do vidro do banco do ponto. Bem, acendo um cigarro pra esquentar e esperar o busão. E não é que ele chega bem na minha primeira baforada?

Apago a ponta pra poder fumar depois que descer do ônibus e me preparo para a maratona “subir no ônibus lotado”. São 7h08, eu devia estar na metade do caminho para o CAB, mas estou aqui brigando pra entrar no ônibus no ponto próximo da minha casa.

- Porra tem espaço, dá pra subir merda? – gritou alguém já impaciente.

- Eu só saio daqui nesse ônibus, um bora porra! Oh povo lerdo! – mais gritos.

- Tá difícil passar gente! – grita uma mulher tentando apaziguar a situação e desesperada para conseguir passar pelo corredor polonês.

- Tem espaço no fundo! Esse povo só quer saber de ficar da frente! Se fudê rapaz! – a gente grita o que pode.

Depois de uns cinco minutos de gritos, tudo resolvido: todos ficam espremidos, com pés molhados e irritados, mas dentro do ônibus. Não entendo qual o problema com o fundo do ônibus: assalto acontece em qualquer poltrona. E pra ficar melhor, todas as janelas estão fechadas e, o bom e velho Sussuarana R2, está completamente abafado. Pra que capote pra se proteger da chuva, se o busu é uma sauna? Desembaço a janela e vejo que depois de uns trinta minutos estou chegando no transbordo do Iguatemi. Gente desce e gente sobe: nem dá tempo de procurar um lugar pra sentar e só consigo me recostar num suporte na área reservada pra deficientes. O fedor de esgoto, mofo, creme de cabelo, peido e catinga espalham o aroma de “vou me matar numa câmara de gás de Auschwitz”.

Começo a ouvir pessoas comentarem sobre a limpeza do ônibus e olho uma garota jogar um papel de bala no chão do veículo. Nunca entendi a relação de querer os locais limpos e não ajudar preservação do ambiente; deve ser porque é muito melhor cobrar do que ser cobrado. Talvez o problema de Salvador seja... tudo: dos órgãos – que estão pouco se lixando para nós, meros populares que se viram pra sobreviver sem auxílio do Estado – e das pessoas – que pouco se importam em querer brigar por mudanças e, simplesmente, esperam que o anjo Gabriel desça até a capital baiana para dizer que Jesus vai nascer em Salvador e vai solucionar os problemas da soterópolis. Bem, tá chegando no meu ponto e vou poder sair de perto do tio que insiste em procurar papo para falar sobre seus problemas e do jogo do Bahia.

- Espera aí motorista – esse é o desespero de quase não conseguir sair do ônibus – Sai da frente moça! Tá pensando que aqui é museu pra ficar parada que nem estátua? – eu sei ser grosseiro e as pessoas que estavam atrás de mim tentando descer do busu me agradecem por isso. Acendo meu cigarro apagado e vou esperar mais um ônibus pra descer no CAB. Minha chefa me liga pra falar são quase 9h e que eu não cheguei – chefes-relógio são tão legais. Paro, termino minha última baforada, olho aquele ônibus vermelho, levanto a mão e dou bom dia ao motorista. Acho que devo começar a pensar em comprar uma carro...


Sanção Maia
16/05/2012

Você também pode ler o crônicas 1 e o crônicas 2.

quinta-feira, abril 12, 2012

Meus dias de rock’n roll – Parte 2

É preciso ler a parte um para entender.

Não terminamos a música em um dia, mas conseguimos fazer alguma coisa. O Miltão – ele sempre foi o músico mais habilidoso da banda, mas naquela época todos éramos muito ruins – fez arranjos legais na música. O título era “Eu vou fazer um rock’n roll” e era um punk bem legal de ouvir. Esse som deu vida aos Strikes Flythers e os covers também foram melhorados: ainda tocávamos Ramones e incluímos Sex Pistols, Clash, Garotos Podres, Ratos do Porão, The Stooges, Led Zeppelin, Black Sabbath e muitas outras bandas de rock nacional e internacional. Nossos pais já estavam putos com isso, afinal a gente mal parava em casa pra estudar e só ia pro cursinho pra ver as meninas e tomar cerveja. Por isso, comecei a trabalhar num comércio do meu tio na Avenida Sete. 

Trabalhava como vendedor de uma pequena papelaria, em uma das galerias já próximas ao relógio de São Pedro. Odiava ficar a tarde inteira – era só um turno – na busca por classificadores, cadernos, lapiseiras e embalar pacotes para clientes chatos que sempre falavam “Deus te abençoe” ou “Deus te pague”; eu esperava que isso aumentasse o meu salário, mas Deus nunca operou nele; pelos menos ganhava uma grana a mais pra pagar parte do cursinho e investir na banda.

Depois que criamos o nosso primeiro single, gravamos uma demo e começamos a espalhar em algumas produtoras e selos undergrounds de Salvador. Eu vou fazer um rock’n roll, segundo Lima, “tinha uma alma rebelde e irresponsável de um bando de porra desocupado”. Ficamos meses sem conseguir uma gravadora, mas foi tempo suficiente para cinco músicas nossas aparecerem: Matilde, maldita! – Matilde era o nome da empregada do Cabron que tirou a virgindade dele. Ela era tão feia, que tinha que ser mucho cabron para encarar aquilo -; Rock de busu – essa era uma homenagem ao ônibus lotado, de todo dia, que todos nós pegávamos pra ir pro centro-; Aconteceu na Piedade – essa história foi da vez que o The Dogs tava tão bêbado que recebeu um boquete da Dona Virginia. Esse episódio ficou conhecido como “o boquete secular” -, Minha mãe faz rock’n roll – é uma continuação de “Eu vou fazer um rock’n roll”- e “A gata do fundo da sala”. Essa letra eu que fiz; tinha conhecido a Lisandra no cursinho e me apaixonei por ela; os cabelos cacheados e pretos, os olhos castanhos escuros, a bunda, o decote… Fiquei louco quando a vi entrando no cursinho; não demorou muito a chamei pra sair e ela aceitou. Quando a gente já tava com um mês de “ficância”, compus uma canção pra ela. Tiro certo: toquei essa música no nosso último encontro, antes do nosso show em Camaçari, e na volta ela já tinha colocado no status do Orkut dela “namorando”.

Nessa apresentação, éramos a banda menos conhecida da setlist e estávamos apreensivos; o Cabron vomitou, o Miltão queimou o dedo ascendendo o cigarro, eu não parava de ir ao banheiro mijar e o The Dogs teve uma baita caganeira; mesmo assim o público gostou dos covers, fez head bang, gritou quando acabamos de tocar "Eu vou fazer um rock’n roll" e pediram bis; as pessoas queriam comprar nossos cds e saber se tínhamos contato e quando voltaríamos a Camaçari; a única reclamação foi o nome da banda. “É mais difícil de falar do que pegar busu em Mussurunga depois de 23h30”, gritou algum bebum perdido na frente do palco. Um mês depois do “show menos esperado se tornar o melhor da noite” – essa frase foi escrita por um cara que esteve no show em Camaçari e que postou o comentário no nosso My Space e decidimos mudar o nome da banda – Strikes Flythers era muito feio e uma um trava língua do caralho -. Já era inicio de março e o carnaval já havia passado; nos demos um recesso para descanso. Todos perderam nos seus vestibulares e só a Lisandra passou em enfermagem na Uneb; todos da banda trabalhavam e começamos a comprar instrumentos novos. Nesse meio tempo, não conseguíamos dar um nome novo para banda.

Já era meio de março de 2006, e nada: a banda ainda era Strikes Flythers, estávamos de volta ao cursinho, faltavam duas semanas para entrarmos em estúdio – conseguimos um selo de peba quem nem o roqueiro mais underground de Salvador sabia o nome – e decidi procurar meu carro, pois o meu pai já dizia tava na hora de “fazer valer” o meu salário e parar de gastar com farra e música – e também ele não me dava mais o carro pra sair com a Lisandra. Comecei a sair com os caras da banda pra procurar um “calhambeque” que eu pudesse pagar: rodamos a Rótula do Abacaxi, Itapuã, Barros Reis, ACM e nada. Procurei por dias e não conseguia achar nada que pudesse pagar. – Porra Jota, desista! – esse era o coro dos rapazes.

Então num sábado, faltando poucos dias para começar a gravação do disco e ainda sem nome novo pra banda, eu, o The Dogs e o Miltão decidimos aproveitar o de folga e ir tomar uma cerveja no Tororó; íamos a pé do Largo de Nazaré e já estávamos na frente da Escola Técnica, quando o The Dogs viu uma placa de “vende-se esse carro” logo em frente; era um Fiat 147 velho e com um vermelho apagado, pedaços de ferrugem na lataria, vidros laterais traseiros rachados, pneus um pouco gastos; o prórpio The Dogs falou que o carro era “muito trevoso”. O preço era compatível com o que eu poderia pagar e comecei a pensar na Lisandra, na ida aos shows, na não dependência de carro pro meu pai, não pegar mais busú; pensei que se eu desse meu dinheiro pra esse carro fodido, eu ficaria com dívidas por causa dessa merda. Mas o Miltão – sim, ele sempre salvou a banda e seus integrantes de momentos complicados – parou e disse:

- Man! É isso! É isso porra! E toma tua latinha aí! – falava empolgado. Tomei um gole da breja e ela tava geladinha.

- Que é porra?! Fala caralho!

- Careca Trevoso! Esse é o novo nome da banda em homenagem ao teu carro!

- E eu acho que o nome do carro podia ser Trevoso! – falou empolgado o nosso especialista em receber boquetes de velhas prostituas.

- Careca Trevoso… Por que esse nome? E como assim meu carro? – perguntei pro Miltão com a voz um pouco abafada, pois tentava ascender o cigarro, meio recioso com a reposta.

- Por causa desse pneu que está quase careca e, vamo ser sincero… Esse carro é a treva man, mas combina com tua largação toda!

Fui falar com o dono do carro – um senhor com seus quase 70 anos, aposentado, que havia levado filhos, netos e bisnetos para vários lugares no carango fodido – que olhava pra mim sentado num banquinho de madeira e não dizia nada, só “hum”; falei sobre meu interesse, perguntei sobre o carro e tudo que ele respondeu era: “com um copo de cerveja tudo se resolve”; paguei a cerva, bebemos juntos, fumamos cigarro juntos; falamos sobre o BaxVi, transporte público, metrô – não deixava de ser piada naquela época -, trabalho, casamento – ele era casado a 40 anos e nunca traiu a esposa-; começamos a conversar sobre o carro e ele logo disse que ia se mudar e ia vender a lata velha pra poder ter mais dinheiro para sair o mais rápido possível “dessa merda que é Salvador”. Combinamos que eu pagaria em dez prestações e que a partir do segundo pagamento, depositaria o valor na conta dele. E assim, eu consegui ter o meu primeiro carro: meu Fiat 147 ou melhor, o carro da banda, o Trevoso.

Apresentei o carro a Lisandra e no mesmo dia, transamos nele – no estacionamento do Shopping Center Lapa -. Ela adorou e disse que o empurraria, em qualquer ladeira, sem problemas; fiquei impressionado em ela não ter terminado o namoro ou ter me jogado na frente de um ônibus. O meu pai foi só reclamação: pra ele o carro era uma merda e eu ia gastar mais do que me divertir nele – o que provei o contrário, pois me diverte muito nos anos que usei aquele pedaço de aço de ferro velho.

A ex-Strikes Flyther estava em estúdio com gás novo, instrumentos novos, estúdio novo, produtor velho – o Lima decidiu nos produzir, pois ele já “conhecia aquela merda mesmo” – e nome novo: os Carecas Trevoso. Salvador ia começar a se preparar pra ver a novidade do rock em ação.



Sanção Maia
11/04/12

Publicado também no Blog do Cafeína Zine.

sexta-feira, março 30, 2012

Amnésia Progressita

Essa poesia está na Segunda Edição do Fanzine Cafeína

Fundições hereditárias,
rebocos caídos.
As sombras de uma casa vazia,
pequenos detalhes perdidos.

Era massa, barro e madeira;
passou à pá, dinamite e explosão;
Agora é massa, cimento e ferro;
mais andares, elevadores, "evolução".

É o progresso de plantas sustentáveis
esquecidas estruturas fantasmas.
Amnésia de histórias lendárias,
sumiço de tempos rentáveis

Rua Chile, Comércio, Pelourinho,
Carlos Gomes, Av. Sete, Praça Castro Alves,
Calçada, Roma, Ribeira,
Dois de Julho, Aflitos, Piedade...


Sanção Maia
04/03/2012

domingo, fevereiro 26, 2012

E no último segundo...

Refletido sentimento,
ares de tormento.
Seus pés fora do chão;
sensação ruim, extinção


Olhos cerrados,
velocidade constante.
Imagens de mágoas passadas,
Futuras visões bloqueadas, finalidade


Torpor do corpo bola,
asas de condor invisíveis.
É o voo do ser in memorian,
eremita de frágil tolice


CRASH! BUM! Marcante!
Ondas sonoras insapientes
Dureza audível, tristeza.
Silêncio in vita...


Jazido rubro,
Alimento vermicida, cadáver.
Fraca vergonha sem honra,
demência do ser libertário


In vita, in vita,
in memorian, in memorian.
Viver sem sentido, alvo
Viver por seu sonho, liberdade.




Sanção Maia
26/01/2012

terça-feira, janeiro 24, 2012

Paranóia comum

Era só uma segunda-feira comum: carros que engarrafavam avenidas, ônibus lotados com pessoas com cara de domingo, gente que está à beira do desânimo. Bom, para a maioria foi assim, mas não para mim. Não tinha conseguido dormir. Já passava das 7h, minha vizinha pedia carinhosamente para o seu filho “calar a porcaria da boca inferno!”. Eu estava sentado à mesa da minha quitinete – uma mesa junto à parede com dois bancos de cor branca – e olhava para caneca de café quase vazia, bem perto do meu notebook; os barulhos da rua – gritos de vendedores, carros passando, a descarga do vizinho de cima sendo usada – seriam inspiração, mas naquele dia, nada.

Eu já havia levantado várias vezes, deitava na cama, lavava o rosto e bebia mais café – e assim consegui uma gastrite-; ia para janela e tentava ver alguma cena impactante e nada: tudo naquela maldita segunda-feira era chato. Voltei ao computador e comecei a olhar sites na internet: meu email, redes sociais, artigos, sites de notícias, youtube, redtube, porntube (eu me masturbei. Fazia dois meses que não transava e ainda estou sem sexo). Não adiantou. Fui tomar um banho, troquei de roupa e desci os dois lances de escadas para ir comprar meu almoço.

Havia uma grande movimentação de carros na frente do meu prédio – Ed. Arapuã, 166 – para o horário das 11h50. Andei algumas quadras e olhava aquele trânsito intenso e as pessoas que passavam na rua: tentava ver ali o clímax de uma história ou um personagem carismático, mas era tudo normal. Até o morador de rua que pensava que era o índio Peri – era legal saber que ele conhecia literatura nacional -, dormia embaixo da sombra de uma árvore. Mais alguns passos e entrei no Mercadinho do Vendeslal – aprendi esse nome quando nos encontramos no bar do Tinoco e comecei a tentar falar o nome dele. De fato, consegui – e fui na parte dos frios. Olhei as prateleiras, os atendentes, os clientes, a mulher da bunda grande com roupa de academia (tive uma pequena ereção. Falta de sexo é foda) que comprava frutas, a caixa dos dentes montados; já não sabia mais como ter uma ideia e então busquei a rua novamente para minha casa.

“Onde já se viu um escritor que não consegue escrever? Caralho, eu já publiquei dois livros e escrevo artigos para revistas! Coragem homem! Coragem!”, eu pensava enquanto via minha vizinha dar um beliscão no seu “inferno”. Ao entrar em casa, fui até a pia e coloquei o meu almoço – uma lasanha congelada - pra esquentar no forno e um suco de uva em caixa, abri a geladeira e fui para o computador novamente. Foram 10 minutos escrevendo sobre a bunda da gostosa do supermercado, mas não queria escrever um conto para o Brasileirinhas, só um texto espontâneo. Será que havia perdido meu feeling? Será que não tinha mais saco pra escrever os textos? Havia virado um escravo da escrita acadêmica e esquecido como era sentir as palavras escorrerem pelos dedos e se transformarem na tela do computador ou no papel em realidade? Eu sou emo?

Já era de tarde e já tinha almoçado. Me preparava para um cochilo e já não tinha saco para escrever nada. Estava cansado, afinal, foram vinte e quatro horas acordado e sem ao menos um parágrafo! Merda, porra, saco! Eu não tenho ideias, eu não tenho criatividade. Acabei de descobrir que estou bloqueado. Eu estou bloqueado, merda de bloqueio, droga de bloquei...

Pulei da cama, fui até o computador. Sentei e comecei a digitar loucamente:

“Era um dia comum, para um escritor sem inspiração”.


Sanção Maia
24/01/12