quarta-feira, maio 16, 2012

Crônicas do Busão - Sempre mais do mesmo


Adoro tempo nublado, mas em Salvador é foda. Acordei 5h30 pra pegar o ônibus das 6h; são 6h50 e o busu não chegou; o ponto tá cheio, tá tudo molhado; um engarrafamento enorme, carros passam pra dar banho em quem tá aqui, na labuta do transporte público. Minha calça jeans azul – agora azul cor de fazenda – e meu capote (alguém ainda chama agasalho assim?) com gorro estão molhados por causa de um filho da puta que passou por uma poça pra me molhar quando estava a caminho do ponto. Espero que o carro dele quebre ou que seja assaltado ou seja parado pela Transalvador ou, até, preso pela Polícia Federal por tráfico de drogas. Bem, não adianta: a cidade é feita de papel e quem sofre com isso somos nós, meros mortais que usam o já péssimo transporte público.

Aqui mesmo, nesse ponto do Extra Rótula, tem água pra caralho na frente do ponto e o povo espirra feito lou... - SPLASH, SPLASH, SPLASH! -... Com gritos de “porra”, “filho da puta”, “vá tomar no cu” e “capota o carro viado” – esse grito foi da tia que vende salgados, bolos e cafezinho que teve tudo molhado – alguns usuários do transporte público soteropolitano se revoltam. Eu também me revoltaria se não conseguisse me proteger atrás do vidro do banco do ponto. Bem, acendo um cigarro pra esquentar e esperar o busão. E não é que ele chega bem na minha primeira baforada?

Apago a ponta pra poder fumar depois que descer do ônibus e me preparo para a maratona “subir no ônibus lotado”. São 7h08, eu devia estar na metade do caminho para o CAB, mas estou aqui brigando pra entrar no ônibus no ponto próximo da minha casa.

- Porra tem espaço, dá pra subir merda? – gritou alguém já impaciente.

- Eu só saio daqui nesse ônibus, um bora porra! Oh povo lerdo! – mais gritos.

- Tá difícil passar gente! – grita uma mulher tentando apaziguar a situação e desesperada para conseguir passar pelo corredor polonês.

- Tem espaço no fundo! Esse povo só quer saber de ficar da frente! Se fudê rapaz! – a gente grita o que pode.

Depois de uns cinco minutos de gritos, tudo resolvido: todos ficam espremidos, com pés molhados e irritados, mas dentro do ônibus. Não entendo qual o problema com o fundo do ônibus: assalto acontece em qualquer poltrona. E pra ficar melhor, todas as janelas estão fechadas e, o bom e velho Sussuarana R2, está completamente abafado. Pra que capote pra se proteger da chuva, se o busu é uma sauna? Desembaço a janela e vejo que depois de uns trinta minutos estou chegando no transbordo do Iguatemi. Gente desce e gente sobe: nem dá tempo de procurar um lugar pra sentar e só consigo me recostar num suporte na área reservada pra deficientes. O fedor de esgoto, mofo, creme de cabelo, peido e catinga espalham o aroma de “vou me matar numa câmara de gás de Auschwitz”.

Começo a ouvir pessoas comentarem sobre a limpeza do ônibus e olho uma garota jogar um papel de bala no chão do veículo. Nunca entendi a relação de querer os locais limpos e não ajudar preservação do ambiente; deve ser porque é muito melhor cobrar do que ser cobrado. Talvez o problema de Salvador seja... tudo: dos órgãos – que estão pouco se lixando para nós, meros populares que se viram pra sobreviver sem auxílio do Estado – e das pessoas – que pouco se importam em querer brigar por mudanças e, simplesmente, esperam que o anjo Gabriel desça até a capital baiana para dizer que Jesus vai nascer em Salvador e vai solucionar os problemas da soterópolis. Bem, tá chegando no meu ponto e vou poder sair de perto do tio que insiste em procurar papo para falar sobre seus problemas e do jogo do Bahia.

- Espera aí motorista – esse é o desespero de quase não conseguir sair do ônibus – Sai da frente moça! Tá pensando que aqui é museu pra ficar parada que nem estátua? – eu sei ser grosseiro e as pessoas que estavam atrás de mim tentando descer do busu me agradecem por isso. Acendo meu cigarro apagado e vou esperar mais um ônibus pra descer no CAB. Minha chefa me liga pra falar são quase 9h e que eu não cheguei – chefes-relógio são tão legais. Paro, termino minha última baforada, olho aquele ônibus vermelho, levanto a mão e dou bom dia ao motorista. Acho que devo começar a pensar em comprar uma carro...


Sanção Maia
16/05/2012

Você também pode ler o crônicas 1 e o crônicas 2.

Nenhum comentário: