domingo, abril 25, 2010

O momento

Num restaurante discreto e aconchegante, som ambiente e conversas banais não chegam até aquela mesa bem no canto do local. Nos subconscientes em total sintonia, o desejo se instala em sua forma mais cândida: seus corpos nervosos, vestidos a caráter, dão pequenos tremeliques travessos. Olhos nos olhos, rostos mais perto. O perfume dela, a colônia dele. O sorriso dela, a barba rala dele. Os lábios dela, os lábios dele...

O pedido chega (duas taças de vinho, junto com um prato de frios). Risos acanhados brotam nas faces que a pouco quase se colidem. Mãos vagarosas e objetivas pegam as taças, suspendem as mesmas e brindam por algo que nem eles mesmos sabem descrever. Mais risos, mais vinhos, mais olhares fugazes. O papo continua com assuntos triviais: emprego, faculdade, sociedade, histórias do passado. Os ponteiros do relógio se movem devagar. O tempo é sempre um bom companheiro. Olhares mais ousados começam a surgir. O desejo inicia uma mudança e o vinho vai fazendo sua parte. A música invade a conversa, invade os gestos. Aquele som romântico, sexy, aquele soul...

Eles se levantam e começam a dançar. Uma dança lenta e ritmada. Um passo pequeno para o lado, um passo pequeno para o outro. Um giro suave e ele a aperta em seu tórax. Sua barba rala raspa de leve o rosto dela até chegar ao pescoço. Ela, tímida, dá um sorriso e o deixa ali, sentindo o seu perfume. Um beijo de leve na bochecha dela. E então mais outro, outro, outro... As bocas se aproximam... Os cantos dos lábios se encontram... Os olhos se fecham... Os ponteiros começam a parar...

Tudo para. Tudo muda. Tudo é único. Aquele beijo sem mãos, sem apertos, sem pressa não tem tempo pra acabar. Uma técnica de hipnose tão grande que um transe universal circula aquele casal no encontro paradisíaco. Um mundo cheio de delicadeza e candura passa por cada movimento dos lábios, das línguas... Eles se soltam, se olham, suspiram e riem. Voltam aos seus lugares, voltam a conversar, voltam às piadas graciosas, voltam ao tempo.

Eles pagam a conta, saem do bar e vão para suas casas. Suas vidas continuarão, mas o tempo estará com eles disposto a parar, disposto a se confluir com o universo.

Sanção Maia
25/04/10