segunda-feira, novembro 05, 2012

Meus dias de rock'n roll - Final


Para entender leia parte 1 e a parte 2. Boa Leitura!


I
A gravação do primeiro e único disco aconteceu em janeiro de 2007. Lembro que esse foi um período difícil pra gente: minha avó estava nas últimas e a mãe do The Dogs teve o diagnóstico de câncer de mama. Foi nesse período que o The Dogs começou a parar de beber e fumar - hoje em dia ele realmente não faz as duas coisas - e eu decidi que não fumaria maconha para fazer as músicas do cd. Assim, na primeira quinzena de janeiro, entramos em estúdio para gravar o tão sonhado disco de estreia.

O cd tinha onze músicas: seis foram regravadas - Eu vou fazer um rock'n roll, Minha mãe faz rock'n roll, Matilde, maldita!, Rock do busu, Aconteceu na Piedade, A gata do fundo da sala - e as outras cinco foram compostas no estúdio mesmo: O velho peso do céu - uma balada em homenagem para minha avó -; Nas tetas dos anjos - a mãe do The Dogs sempre foi uma ótima piadista, então, decidimos fazer um punk escroto sobre uma senhora que tinha câncer de mama e era sacana com todo mundo -; Dessa vez, foi - essa foi para parabenizar a Lisandra pelo vestibular -; Bernadete e a Maria Joana - não fiz o disco chapado, mas já tive muitas histórias. Uma vez conversei com um poste pensando que fosse uma mulher e que ela se chamava Bernadete... Tudo isso sobre efeito da Maria Joana - e Coloca o cinto que o Trevoso vem aí! - era uma homenagem ao meu carro querido, que nesse período já tinha histórias fantásticas.

II
Durante o processo, o Trevoso quebrou uma três vezes enquanto íamos para o estúdio. O Lima chamava ele de "o atrasa lado mais fodido do mundo"; o Miltão chamava de "aquecimento filho da puta"; a Lisandra chamava de "banheira do amor em construção" (e já me perguntaram o motivo de eu ter me casado...). Esse disco nos uniu, não só pelo som, mas por tudo que passamos até ali. Naquelas gravações, não foram apenas os acordes que foram acertados, mas nossos laços de amizade se fundiram com a música.

Nossa sintonia havia mudado e nós, melhoramos: o Cabron aprendeu a controlar a voz, o The Dogs havia aprendido novas viradas, eu já tocava o baixo com uma influência do funk - nesse período, eu tava ouvindo muito Red Hot e Funkadelic - e o Miltão virou o nosso bandleader. Começarmos a entender que a banda não podia ser aquele grupo de moleques de 2005, mas caras profissionais que tocavam pra valer. Começamos a nos tornar ótimos e esse foi o nosso problema.

III
No início de fevereiro, terminamos o "Coloca o cinto que o Trevoso vem aí!" e o levamos para nosso primeiro show num festival de rock em Feira de Santana. Havíamos tocado num clube velho pra caralho, na primeira vez que fomos lá. Lembro de ter gente subindo no palco e pulando na galera (o bom e velho mosh). O público curtiu mesmo e fiquei muito feliz de tocar lá e de ter voltado não com um EP mal gravado, mas com um CD completo.

O show foi incrível, vendemos muitos cds e o lugar ficou lotado - tivemos até camarim. Pra gente, camarim era coisa de rockstar dos bons. O mais importante: no outro dia, vários sites comentavam a volta dos ex-Strikes Flythers e agora Careca Trevoso. Alguns falavam de "a nova cara do rock da Bahia" ou "Careca Trevoso: o The Clash da Bahia". Nem acreditávamos na repercussão. Depois disso viajamos por vários cantos da Bahia: Paulo Afonso, Juazeiro, Jequié, Irecê, Vitória da Conquista, Itabuna. Também chegamos a tocar em Petrolina e Aracaju. Em Salvador, chegamos a tocar no Palco do Rock daquele ano. O Trevoso já tava famoso na cidade (e eu plotei o nome da banda no lado do carro).

Os meses passaram e criamos músicas novas, compramos coisas novas e mudanças aconteciam: eu larguei de vez a maconha, o The Dogs não fumava e nem bebia mais, o Cabron começou a trabalhar numa loja de roupas e o Miltão num loja de instrumentos musicais. A mãe do The Dogs melhorou e a minha avó já havia morrido. O vestibular estava chegando e todos decidimos estudar para poder entrar em faculdades.

IV
Já estávamos perto das provas e do fim do ano, quando intensificamos as brigas. Os shows continuavam e o The Dogs e o Cabron queria apenas ficar na banda. Eu e o Miltão achávamos que ficar no trabalho seria mais certo pra dar um futuro ao grupo. Não gostava da papelaria, mas precisada daquela grana pra pagar minhas contas - principalmente, que eu e a Lisandra depois de terminarmos (a única vez que isso aconteceu, pois inventei de ir chapado a casa dos pais dela. Eles não perceberam, mas ela sim e decidiu terminar comigo. Um tempo depois, voltamos e decidimos que deveríamos morar juntos) - e manter o Trevoso. Além disso, eu e o Miltão queríamos fazer faculdade.

Desde o show em Aracaju, em setembro de 2007, as coisas começaram a ficar tensas. Não de brigas homéricas em camarins, mas estávamos começando a sentir o desgaste da relação amizade/banda. Principalmente o Cabron e o Miltão. Eles queriam dividir a liderança da banda - que existia mais para organizar a coisa. Éramos todos os líderes, mas o Miltão sempre tomava decisões rápidas e certeiras, já o Cabron gostava de reuniões demoradas e chatas. A coisa piorou, pois nessa apresentação o Miltão improvisou um solo lindo quando tocávamos "Coloca o cinto que o Trevoso vem aí!". A partir daí foram muitas discussões. Até um peido durante os ensaios gerou uma briga - eu tava me sentindo mal. Foi a feijoada lá do Bar do Seu Buiú. Peidei e o The Dogs implicou. Larguei o baixo e saí pra fumar um cigarro. A gente começou a perceber que o fim estava próximo.

V
E assim chegamos em 2008. Demos um tempo dos shows e prestamos o vestibular. Os resultados foram esses: o Miltão ia a segunda fase de música na UFBA, The Dogs perdeu em direito na UCSAL, Cabron passou em engenharia civil na UEFS e eu passei em design na UNIJORGE. Antes da festa de comemoração - chamamos os amigos pra um churrasco na casa do Cabron, lá em Vilas - fizemos algumas reuniões. Durante o vestibular paramos de nos falar para estudar. Foi então que o The Dogs, veio puxando o papo.

- Bem, perdi. Não queria essa merda mesmo. Quero fazer jornalismo.
- Bem a tua cara aparecer na tv apresentando o Bahia Meio Dia – rimos, mas tempos depois o The Dogs virou produtor do programa.
- Galera, acho que temos que ter um bom papo - as iniciativas de conversa séria sempre eram do Miltão e dessa vez não foi diferente.
- Primeiro, eu vou assumir uma coisa: eu sou bissexual. E ficava com alguns caras durante os shows.
- Assumir o que a gente já sabia? - Tive que perguntar isso. Todo mundo sabia dos casos deles com os produtores de alguns shows ou as festinhas com algumas meninas que ficavam no palco.
- Como assim "a gente sabia"?
- Colé cara, todo mundo sabe desde que você fez um mènage com a Tina e o Lucão lá do cursinho - sim, a gente sabia. Vimos fotos no pc dele. Além de ter fotos dele com outros caras que conhecíamos em momentos íntimos.
- Ok... Outro assunto, tá? - rimos muito nessa ora - E vocês, não se importam?
- Man, tu é irmão. Se você gosta de ser assim beleza - nos abraçamos. Sempre falamos isso: seja o que for, somos irmãos.

E assim começamos a conversar e colocar tudo em panos quentes. Eu assumi que tava cansado de tocar o tempo todo e que tava na hora de ficar quieto e viver minha vida com a Lisandra - um tempo depois eu a pedi em casamento -; o Miltão queria estudar mais pra segunda fase da UFBA; o Cabron ia morar morar em Feira; e o The Dogs ia estudar novamente pro vestibular. Decidimos que era hora de acabar.

VI
Depois disso tínhamos mais sete shows pra fazer. O último seria na Concha Acústica. Fizemos a propaganda do fim da banda. Alguns fãs da banda mandaram mensagens de "como assim?", "tá querem me quebrar?", "que porra é essa?" e por aí vai. O Orkut, o My Space, o Twitter e o Facebbok da banda estavam lotados dessas mensagens. Não respondemos e deixamos para falar no show.

Era dia 11 de março de 2008. Além da gente, ia ter o Marcelo Nova tocando também. Abrimos esse show - memorável pra gente - e o Cabron explicou:
- Somos grandes amigos. Esses três caras aqui são meus irmão. Decidimos seguir novos rumos. Mas talvez um dia, estejamos de volta nesse palco - Muitos aplausos soaram pela arena da Concha que estava lotada. Não sabíamos que tanta gente gostava de gente e ficamos felizes em ter feito algo tão grandioso para nós. Após aquele show cada um tomou seu rumo, mas não perdemos contato.

Hoje, seis anos depois do início dessa loucura, envelhecemos um pouco. O Miltão virou professor de música, o The Dogs conseguiu fez jornalismo e trabalha numa emissora de TV, o Cabron mudou de engenharia civil para engenharia da computação e voltou pra Salvador. Todos estão casados - O The Dogs arranjou uma chilena linda e o Miltão um casamento aberto com um moça muito simpática que nasceu em Xique-Xique -, quer dizer, o Cabron tá em processo de divórcio. Eu casei com a Lisandra e trabalho numa agência de publicidade e faço freelancers. Ela tá grávida de uma menina. O Trevoso virou lenda e vendi para um ferro velho. Era melhor vê-lo lá do que na mão de algum cara que ia colocar o adesivo "É nóis na fita" ou "Foi Deus que me deu" nele. Agora tenho um Pálio 1.4 prata.

- Então, eu vou fazer um rock'n roll - opa, celular tá tocando.
- Alô? Miltão! Diga, meu filho?
- Que horas? 15h lá no Bar de Seu Buiú?
- Ok, a Lis tá no trabalho. Tá bom, valeu. Vamo no Lima sim. Abraço.

Bem, talvez os dias de rock'n roll não tenham morrido completamente...


Sanção Maia
01/11/2012

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