quarta-feira, agosto 24, 2011

Literatura Ilustrada

Essa é um parceria entre eu e minha amada mulher, Aline Cruz do Colorlilas. O Literatura Ilustrada é uma junção de blogs, dengos (só uma forma de continuar a "simbiose" do casal) e arte. Ela cria ilustras e eu produzo textos; eu crio textos e ela produz ilustras. Então, sem mais delongas, vamos começar com o  primeiro texto, Clic. Boa Leitura!

I
- Bernado, vem cá!
- Pêra amor, tô descendo!
- Vem cá por que achei uma foto que nunca tinha visto aqui!
- Pronto! Que foto é essa?

- Não sei, achei nas suas fotos.
- Putz! Não tá reconhecendo, Lê?
Bernardo riu. Sabia quem eram, sabia o que era.
- Meu Deus! Bê somos nós? - Riu Letícia, riu Bernardo.

Em poucos segundos ambos se viam novamente em uma tarde de março de 2011. Muito sol  numa Salvador de maré forte. Dentro do ônibus - Barra R1/ Sussuarana – Bernardo e Letícia estão abraçados nos bancos do fundo. Ele com um fone no ouvido e ela encostada em seu ombro cochilando. A velocidade de ônibus nas curvas e nas retas os faziam ficar mais juntos.

- Bê tá chegando no ponto?
- Sim, já estamos pra descer.
- Te amo!
- Também te amo.

Desceram no ponto e passaram pela passarela comprida da Tancredo Neves. Ele estava calado e diferente naquele dia; Letícia – sempre tagarela – falava sobre sua semana e da saudade que sentiu. Bernardo estava decidindo o que fazer. Esse foi um dia especial.

 II
- O que você tava pensando amor?
- Poxa Lê, essa foi a foto da festa na casa do Dimas. Bom você sabe que dia foi esse né?
- Tá com medo que eu não lembre é? – riu Letícia
- Não! Quer dizer: é bom saber que você lembra. Afinal, esse foi um dia difícil pra mim.

Letícia olha para Bernardo com o mesmo olhar dengoso daquela tarde de março de 2011. Eles foram rápido ao Salvador Shopping comprar um livro pro amigo Dimas que apresentou o casal. Havia apenas um mês que eles se conheciam e sempre saiam juntos – nem ao menos sexo eles tinham feito. Subiam as escadas rolantes e chegaram ao segundo piso. Passaram por homens, mulheres, garotos e garotas que pareciam saídos da uma fábrica: todos agiam iguais ou estavam vestidos iguais e falando as mesmas coisas. A Letícia falava e olhava curiosa. “Ele tá calado... o que será?” pensava ela que continuava tagarelando.

Eles saíram e passaram novamente pela passarela. O aniversário é no bairro da Pituba. Esperaram o ônibus de mãos dadas e Bernardo apreensivo. “É hoje! Como, não sei, mas é hoje” refletia ele. O ônibus BTU parou e eles entraram. Abraçados – e aos beijos - no fundo do ônibus eles riram; ela ainda continuava curiosa e ele desconversava; ela curiosa e ele apreensivo.

 III
“Essa é a música!” pensou Bernardo quando chegou no apartamento. O Dimas – com sua cara e corpo iguais ao de Buda – abraçou o casal.

 – Vocês combinam mesmo! Já namoram né? – Eles se olharam - disfarçaram  - e viraram para o sofá verde em frente e a TV de LED 42 polegadas que completava o conjunto de um hack de cor escura com aparelho de som e dvd, vários filmes e cds e alguns livros espalhados. Eles entraram  na sala ao som de um violão que tocava Stairway to Heaven e vão para varanda. Lá estavam: Lucas, Vinícius, Chico e Vander – que tocava o vilão – junto com a Nessinha, Jú, Raina, Lica – a cantora.

- Tô com fome Bê. Vontade de comer um hambúrguer ou algo parecido. Quero carne! Bê? - Bernado estava sério “É essa, é essa!” quando CLIC! Claúdia – mulher do Dimas – tirou a foto.


 - Olha que foto legal! Que bom que vocês vieram! – “a Buda feminina” abraçou o casal também. Eles entraram na varanda e falaram com todos. A noite apareceu. “São 21h37. Vai Bernardo vai!” gritava dentro da sua cabeça Bernardo e foi aí que ele tomou uma decisão.

IV
- Passa o violão Vander. Vou tocar uma música – Bernardo tremeu ao dizer isso – Vocês gostam de bossa?
- Toca logo porra! – pediu Dimas.
- Ok... É, vamo lá.

“Se você quer ser minha namorada...” todos pararam. Bernardo olhava para Letícia que olhava para Bernardo que tocava nervoso para Letícia que olhava encantada para Bernardo que dedilhava envergonhado para Letícia que esperava ansiova  Bernardo.

- Bê, eu digo que sim – Letícia quase derrubava o violão, o banco, o Bernado e o beija. Todos riram, gritaram, comemoraram...

 V
- Esse foi o melhor dia da minha vida Letícia. Há cinco anos te encontrei e no dia dessa foto... Bem, você sabe... Te amo!

Letícia agarra o Bernardo que quase cai com a Letícia que aperta o Bernardo que levante a Letícia que deixa a foto voar...

Texto: Sanção Maia
Ilustração: Lila Cruz
16/08 até 23/08

quarta-feira, agosto 10, 2011

Crônicas do busão - A pauta do dia

Eram quase 7 horas da manhã e o caminho para o trabalho estava na metade. Sabe como é: toda aquela “empolgação” de uma segunda-feira dentro de um ônibus lotado – passei 15 minutos em pé sendo imprensado por pessoas dos mais diversos cheiros: desde espantè negrinhè até a famosa catinga. Quando sentei, fiquei ao lado de uma senhora que com uma "silhueta exagerada", que me esmagava contra a janela e também tinha um perfume especial. O busú subia a detonada Ladeira da Montanha - famosa por seus usuários de crack e prostitutas baratas - devagar, por causa do peso. O veículo passou por dois homens que penduravam cartazes ininteligíveis por causa da velocidade do busão.  Os paralelepípedos, o asfalto e a visão da Baía de Todos os Santos com suas águas azuis combinando com o céu anil conseguiam prender a atenção até mesmo dos mais revoltados passageiros.

O ônibus parou no semáforo: Castro Alves aponta para um conjunto de casebres do outro lado da rua; mesmo morto, o poeta ainda luta pelos seus iguais. O sinal esverdeou e o ônibus virou para Carlos Gomes. Um forte cheiro de lixo invadiu o coletivo. A senhora achou que tava em casa e tossiu alto no meu ouvido; valeu os gritos do Dave Grohl e as guitarras do Foo Figthers por abafarem aquele som de cachorro sendo espancado.

 O dia ainda clareava vagaroso. Como dízimo, o ônibus parou em frente à Igreja Universal do Reino de Deus e bem ali aconteceu à pauta do dia: ao olhar para o outro lado, um casal de moradores de rua passeava de mãos dadas. Para muitos nada de mais, só que a felicidade estampada nos rostos deles me chamou atenção ; ambos estavam sujos e provavelmente fedorentos; roupas maltratadas, cabelos desarrumados, mas tinham delicadeza em cada gesto. Eu sorria, não por ter visto algo engraçado, mas por ver que até mesmo em meio à demonstração da falta de cuidado da sociedade se encontram pessoas capazes de se amar. Enquanto as pessoas subiam e desciam eles se olhavam e riam românticos e apaixonados.

Foi aí que eles pararam. O homem com cabelo e barba enrolados e a mulher pequena e com roupas muito maiores que o tamanho dela; ele se aproximou e a olhou; ela se afastava com certo receio; ela tentou abraçá-la e ela se afastou; ele tentou novamente e ela se afastou, ele conseguiu. Ele tentou encostar os lábios nela e ela hesitou, mas não demorou pra acontecer o beijo. Foi um selinho, dois selinhos e um beijo desentupidor de pia digno de Tony Ramos e Glória Pires no final da novela das 20h. Ela era baixinha e ele a puxou pela bunda magra para cima. O amasso continuou – Deus é mais! – falou algum idiota com cheiro de esgoto perto de mim. O motô arrastava o carro e eu ria; o motô arrastava o carro e eu ria.

O caminho continuou com fedores, falta de espaço e educação no mesmo lugar. Talvez ninguém tenha percebido, mas nessa segunda de “empolgação”, a miséria perdeu - pelo menos uma vez - para o sentimentalismo. E lá fui eu para o meu dia...

Sanção Maia
08/08 até 10/08.