É de manhã. O barracão abandonado está sendo iluminado pelo sol e, por dentro dele, a escuridão é dissipada por feixes de luz que entram por buracos nas telhas de eternit e paredes velhas. Aos poucos, todo o conteúdo do local aparece: pedaços de madeira, teias de aranha, baratas - vivas e mortas -, muriçocas, poeira e um garoto - pequeno, franzino, pele negra, cabelos crespos e com trapos sujos e de enormes para sua estatura - de nome João. O menino é acordado por um fino fio de luz que ilumina seu rosto miúdo. Ele se espreguiça, levanta, dobra o seu jornal cobertor e seu papelão cama, os esconde embaixo de um monte de madeira e sai para tomar seu café da manhã.
Ao sair por um buraco nos fundos do barracão, João olha ao seu redor: prédios, casas, becos, paralelepípedos de uma época antiga onde escravos e criminosos eram chicoteados e assassinados - esse lugar se chama Pelourinho. João sobe e desce as intermináveis ladeiras do Pelô a procura de comida; as casas de cores vivas - e algumas quase derrubadas - passam ao seu lado e dentro delas pessoas dizem não para alguns pedidos de um "bucadinho" de comida: aquela gente pobre e batalhadora não desperdiça comida com gente que não conhece. Então,o garoto para na escada do Pagador de Promessas e vê os restos de uma boa noitada de festas - bitucas de cigarro, latas de cerveja, refrigerante e Pitú Cola vazias, espetos de churrasquinho - e no meio do lixão festivo encontra uma maçã pouco mordida: ele olha, faz cara feia e sem delongas pega, limpa na camisa suja e morde seu café da manhã. Seu desjejum é saboreado com mordidas lentas, para render. João completa sua alimentação com um pouco de água de uma garrafa que encontra já na saída das escadas, perto de uma canto com cheiro de urina. Antes de sair, pega algumas bitucas, tira uma caixa de fósforo do bolso e ascende o restante do cigarro.
"Tá na hora de encontrá os parcêro", pensa João, que sobe para a praça Tereza Batista. Passa pela Praça do Reggae, Casa de Jorge Amado; passa pela baiana e pelo rasta que mandam ele ter juízo; passa pela polícia - dentro da Rocinha - que olha ele pelo canto; olha a imensa onda de pessoas que não querem encostar nele. - Bôra lerdeza! - grita um dos meninos do grupo. Enquanto corre para se juntar aos companheiros um estrondo vocal: um policial chega aos gritos de "Saí pra lá pivetada do caralho! Bora seus sacizêro! Vaza logo porra!" para a molecada que corre e espera João em frente a estátua de Zumbi.
Logo, eles esquematizam as ações : são 12 garotos - entre eles, 4 garotas - que se dividem em quatro grupos de três. O grupo se tornou famoso por praticar pequenos delitos - roubos de carteira, relógios, pulseiras, celulares e outros objetos de turistas - e pelo alto consumo de drogas - alguns usam crack, outros maconha, outros cola - nas becos e casas depredadas do Centro Histórico. Eles se separaram: João fica com a Praça da Cruz Caída - muitos turistas e muita polícia - junto com Pitigate (aos 13 anos já transou com todos os meninos e meninas trupe) e Navalha (ele tem o rosto cortado na bochecha direita por ter apanhado de um travesti).
As horas passam. Já no fim da tarde, eles arrecadaram cinco celulares, um relógio e quinhentos reais. João pega sua parte e chama Navalha; ambos vão fumar maconha comprada; ambos querem uma noite só para eles. Eles vão ao barracão onde João dorme e ascendem o baseado. Começam a rir e, depois de um tempo, a se tocar, e se beijar. Um beijo forte e bruto - estão se sentindo mais fortes por terem se alimentado com a feijoada comprada antes de irem para o barraco. O beijo é longo e tiram as roupas: ninguém deve saber que eles fodem um com o outro. A noite continua longa e eles param exaustos um ao lado do outro, fumando o último baseado. Pouco tempo depois, Navalha levanta e vai embora. Antes de ir, ele beija João na boca. João termina um cigarro, pega seu jornal e se cobre; João olha para as baratas, paras teias de aranha, olha os fachos de luz lunar; João boceja, lacrimeja, fecha os olhos e vai dencansar.
Sanção Maia
30/11/11
Ao sair por um buraco nos fundos do barracão, João olha ao seu redor: prédios, casas, becos, paralelepípedos de uma época antiga onde escravos e criminosos eram chicoteados e assassinados - esse lugar se chama Pelourinho. João sobe e desce as intermináveis ladeiras do Pelô a procura de comida; as casas de cores vivas - e algumas quase derrubadas - passam ao seu lado e dentro delas pessoas dizem não para alguns pedidos de um "bucadinho" de comida: aquela gente pobre e batalhadora não desperdiça comida com gente que não conhece. Então,o garoto para na escada do Pagador de Promessas e vê os restos de uma boa noitada de festas - bitucas de cigarro, latas de cerveja, refrigerante e Pitú Cola vazias, espetos de churrasquinho - e no meio do lixão festivo encontra uma maçã pouco mordida: ele olha, faz cara feia e sem delongas pega, limpa na camisa suja e morde seu café da manhã. Seu desjejum é saboreado com mordidas lentas, para render. João completa sua alimentação com um pouco de água de uma garrafa que encontra já na saída das escadas, perto de uma canto com cheiro de urina. Antes de sair, pega algumas bitucas, tira uma caixa de fósforo do bolso e ascende o restante do cigarro.
"Tá na hora de encontrá os parcêro", pensa João, que sobe para a praça Tereza Batista. Passa pela Praça do Reggae, Casa de Jorge Amado; passa pela baiana e pelo rasta que mandam ele ter juízo; passa pela polícia - dentro da Rocinha - que olha ele pelo canto; olha a imensa onda de pessoas que não querem encostar nele. - Bôra lerdeza! - grita um dos meninos do grupo. Enquanto corre para se juntar aos companheiros um estrondo vocal: um policial chega aos gritos de "Saí pra lá pivetada do caralho! Bora seus sacizêro! Vaza logo porra!" para a molecada que corre e espera João em frente a estátua de Zumbi.
Logo, eles esquematizam as ações : são 12 garotos - entre eles, 4 garotas - que se dividem em quatro grupos de três. O grupo se tornou famoso por praticar pequenos delitos - roubos de carteira, relógios, pulseiras, celulares e outros objetos de turistas - e pelo alto consumo de drogas - alguns usam crack, outros maconha, outros cola - nas becos e casas depredadas do Centro Histórico. Eles se separaram: João fica com a Praça da Cruz Caída - muitos turistas e muita polícia - junto com Pitigate (aos 13 anos já transou com todos os meninos e meninas trupe) e Navalha (ele tem o rosto cortado na bochecha direita por ter apanhado de um travesti).
As horas passam. Já no fim da tarde, eles arrecadaram cinco celulares, um relógio e quinhentos reais. João pega sua parte e chama Navalha; ambos vão fumar maconha comprada; ambos querem uma noite só para eles. Eles vão ao barracão onde João dorme e ascendem o baseado. Começam a rir e, depois de um tempo, a se tocar, e se beijar. Um beijo forte e bruto - estão se sentindo mais fortes por terem se alimentado com a feijoada comprada antes de irem para o barraco. O beijo é longo e tiram as roupas: ninguém deve saber que eles fodem um com o outro. A noite continua longa e eles param exaustos um ao lado do outro, fumando o último baseado. Pouco tempo depois, Navalha levanta e vai embora. Antes de ir, ele beija João na boca. João termina um cigarro, pega seu jornal e se cobre; João olha para as baratas, paras teias de aranha, olha os fachos de luz lunar; João boceja, lacrimeja, fecha os olhos e vai dencansar.
Sanção Maia
30/11/11