São 17h. Falta uma hora para terminar o trabalho e meu chefe me enche o saco bem nos meus quinze minutos de intervalo. Nem pra sair pra fumar e beber meu uísque ele me deixa em paz. “Você tem futuro aqui na loja. Se esforça mais que você consegue uma promoção! Pense nisso”. Ele sempre fala isso e eu balanço a cabeça; não sou de sorrir e detesto saber que pra sustentar meus vícios, preciso de dinheiro; pena que não dá mais pra viver de música. Dou uma tragada e me lembro que o Seu Roberval vai querer que eu atenda ele. Velho chato, babão e que acha que pode comer todos os caras que atendem ele. Acho que o fato d'eu ser o único a ter peito de xingá-lo e tentar bater nele excita o velho. Bom filho da puta.
O tempo passa devagar. Em pensar que essa merda me paga pouco pra aguentar tanta gente estúpida. Os clientes não chegam perto de mim, pois sentem o fedor de bebida e cigarro; já mandei Seu Roberval de volta pra boceta da mãe dele e ele saiu chiando; bebo um copo com água e recomeço a pensar no que fazer. Nesse exato momento, essa cliente bem interessante me pede o número 38 de um sapato de cor verde cana. Olho para o rosto e o corpo e não são de jogar fora. Vou no estoque e me olho. Coloco perfume, pego um IceKisses de menta e penteio o cabelo; hoje vou me dar bem nessa loja. São 17h46. Encontro o sapato, levo até ela e começo o xaveco. Ela ri das piadas que conto e das indiretas; ela usa aparelho e penso no boquete doloroso; ela levanta para testar o sapato de salto alto e olha pra trás; uns bons tapas nessa bunda pequena vão resolver nosso dilema.
São 18h10. O expediente acabou e peguei o telefone da Márcia. Nome comum, beleza pouca, mas cara de puta. Acendo o cigarro, dou um gole do uísque e vou andando. Em pensar que o dia pode acabar com sexo. Chego no ponto de ônibus e o mesmo cheiro de mijo fica impregnado no local. Todos esses perdedores, como eu, estão aqui para encher esse ônibus de merda, ficar sentido a catinga de cada um e roçar uns nos outros. Se desse iria a pé, mas não conseguiria sair com a Márcia. Acendo mais um cigarro observando um casal de moleques se pegando no poste próximo ao ponto: as velhas gagás reclamam que é falta de respeito o amasso que eles estão se dando, mas estão doidas pro seus maridos broxas pegarem elas desse jeito; o guri aperta a bunda da menina; dou uma risada pensando que fiz muito isso; a libertinagem dos garotos e garotas de hoje é engraçada: no final a menina vira lésbica e o guri um otário vive até os 40 anos com a mãe. Bebo mais um pouco do uísque e levanto a mão – afinal, o carro de bois chegou.
São 19h32. Levei pisadas e uma gorda me esmagou passando com seu rabo enorme para descer no seu ponto; ônibus lotado é uma parte do inferno. Desço, bebo o resto do meu uísque e acendo um cigarro. Vou ao orelhão, pego o cartão e ligo:
- Oi Márcia, tudo bem?
- Oi querido, quer me encontrar onde?
- Te pego em casa, vou só tomar um banho e nos encontramos.
- Tô te esperando tá. Um beijo.
- Outro, linda.
Essa eu como hoje. Passo pelo bar e compro umas cervas que depois devolvo para o Seu Valmiro. Grande Valmiro e suas pingas de primeira e seus conhaques falsificados. Com cigarro na boca falo rápido com a Latoya que grita “vê se não pega AIDS! Quero que você coma meu cú um dia”. Levanto o dedo médio para ela, que ri alto, e continuo andando até em casa. São 20H01 e já estou quase na casa da Márcia. Tomo banho rápido, pois hoje tô com muita vontade de trepar com alguém. Acendo o cigarro; ainda bem que ela viu minha carteira no bolso da camisa lá na loja e já sabe que fumo. Número 379. Bato na porta e ela abre. A baixinha está bonita e para minha surpresa ela me agarra. Sempre agradeço pela emancipação feminina e o fato das mulheres terem mais atitude. A língua dela vai passando pela minha boca e eu vou pegando em todo o corpo dela; começamos os amassos na sala e não paramos mais. São 23h03. Depois de muita foda, estamos bebendo. A Márcia gosta de metal e detesta pagode; mulher interessante, gosta de coisas um pouco bizarras, mas dá pra conviver. Mais um cigarro e uma boa vodca ao som de um instrumental de jazz muito bom. Enquanto ela vai ao banheiro, vou para janela nú e penso o quanto eu poderia ganhar sendo promovido no trabalho. Talvez comprar um carro ou um apartamento; conseguir conquistar o que sonhei há muito tempo, talvez... ARGH! A vodca desceu errado. Detesto ter pensamentos “Criança Esperança” em que a vontade de mudar tem a cara do Didi e acontece todo ano; recebo um beijo nas costas. A Márcia quer mais e deixou um presente para depois: algumas gramas de coca.
São 00h57. Transei, cheirei e agora tô curtindo um onda louca. Ela me passou um violão e tô fazendo uma jam session para ela; quando cheiro sempre fico agitado e com vários pensamentos loucos na cabeça. Toco e choro. Paro de tocar e abraço aquela mulher na minha frente falando merda o tempo todo. Penso na minha mãe, penso na minha infância, penso na minha adolescência, penso naque... Lágrimas. Não vou trabalhar amanhã. Eu uso pó e no outro dia não consigo levantar. Meu pau não sobe mais e a Márcia foi deitar. São 02h20 e não preguei os olhos. Minha cabeça e meu corpo estão um caco e não aguento mais chorar. Talvez seja hora de mudar as coisas... Blah! Talvez seja hora deu calar o caralho da minha boca e beber mais. Lágrimas, cocaína, vodca e violão... Amanhã será mais um dia; amanhã será mais um amanhã.
Sanção Maia