quarta-feira, junho 22, 2011

Os "seus" não são eu

São 17h. Falta uma hora para terminar o trabalho e meu chefe me enche o saco bem nos meus quinze minutos de intervalo. Nem pra sair pra fumar e beber meu uísque ele me deixa em paz. “Você tem futuro aqui na loja. Se esforça mais que você consegue uma promoção! Pense nisso”. Ele sempre fala isso e eu balanço a cabeça; não sou de sorrir e detesto saber que pra sustentar meus vícios, preciso de dinheiro; pena que não dá mais pra viver de música. Dou uma tragada e me lembro que o Seu Roberval vai querer que eu atenda ele. Velho chato, babão e que acha que pode comer todos os caras que atendem ele. Acho que o fato d'eu ser o único a ter peito de xingá-lo e tentar bater nele excita o velho. Bom filho da puta.

O tempo passa devagar. Em pensar que essa merda me paga pouco pra aguentar tanta gente estúpida. Os clientes não chegam perto de mim, pois sentem o fedor de bebida e cigarro; já mandei Seu Roberval de volta pra boceta da mãe dele e ele saiu chiando; bebo um copo com água e recomeço a pensar no que fazer. Nesse exato momento, essa cliente bem interessante me pede o número 38 de um sapato de cor verde cana. Olho para o rosto e o corpo e não são de jogar fora. Vou no estoque e me olho. Coloco perfume, pego um IceKisses de menta e penteio o cabelo; hoje vou me dar bem nessa loja. São 17h46. Encontro o sapato, levo até ela e começo o xaveco. Ela ri das piadas que conto e das indiretas; ela usa aparelho e penso no boquete doloroso; ela levanta para testar o sapato de salto alto e olha pra trás; uns bons tapas nessa bunda pequena vão resolver nosso dilema.

São 18h10. O expediente acabou e peguei o telefone da Márcia. Nome comum, beleza pouca, mas cara de puta. Acendo o cigarro, dou um gole do uísque e vou andando. Em pensar que o dia pode acabar com sexo. Chego no ponto de ônibus e o mesmo cheiro de mijo fica impregnado no local. Todos esses perdedores, como eu, estão aqui para encher esse ônibus de merda, ficar sentido a catinga de cada um e roçar uns nos outros. Se desse iria a pé, mas não conseguiria sair com a Márcia. Acendo mais um cigarro observando um casal de moleques se pegando no poste próximo ao ponto: as velhas gagás reclamam que é falta de respeito o amasso que eles estão se dando, mas estão doidas pro seus maridos broxas pegarem elas desse jeito; o guri aperta a bunda da menina; dou uma risada pensando que fiz muito isso; a libertinagem dos garotos e garotas de hoje é engraçada: no final a menina vira lésbica e o guri um otário vive até os 40 anos com a mãe. Bebo mais um pouco do uísque e levanto a mão – afinal, o carro de bois chegou.

São 19h32. Levei pisadas e uma gorda me esmagou passando com seu rabo enorme para descer no seu ponto; ônibus lotado é uma parte do inferno. Desço, bebo o resto do meu uísque e acendo um cigarro. Vou ao orelhão, pego o cartão e ligo:

- Oi Márcia, tudo bem?
- Oi querido, quer me encontrar onde?
- Te pego em casa, vou só tomar um banho e nos encontramos.
- Tô te esperando tá. Um beijo.
- Outro, linda.

Essa eu como hoje. Passo pelo bar e compro umas cervas que depois devolvo para o Seu Valmiro. Grande Valmiro e suas pingas de primeira e seus conhaques falsificados. Com cigarro na boca falo rápido com a Latoya que grita “vê se não pega AIDS! Quero que você coma meu cú um dia”. Levanto o dedo médio para ela, que ri alto, e continuo andando até em casa. São 20H01 e já estou quase na casa da Márcia. Tomo banho rápido, pois hoje tô com muita vontade de trepar com alguém. Acendo o cigarro; ainda bem que ela viu minha carteira no bolso da camisa lá na loja e já sabe que fumo. Número 379. Bato na porta e ela abre. A baixinha está bonita e para minha surpresa ela me agarra. Sempre agradeço pela emancipação feminina e o fato das mulheres terem mais atitude. A língua dela vai passando pela minha boca e eu vou pegando em todo o corpo dela; começamos os amassos na sala e não paramos mais. São 23h03. Depois de muita foda, estamos bebendo. A Márcia gosta de metal e detesta pagode; mulher interessante, gosta de coisas um pouco bizarras, mas dá pra conviver. Mais um cigarro e uma boa vodca ao som de um instrumental de jazz muito bom. Enquanto ela vai ao banheiro, vou para janela nú e penso o quanto eu poderia ganhar sendo promovido no trabalho. Talvez comprar um carro ou um apartamento; conseguir conquistar o que sonhei há muito tempo, talvez... ARGH! A vodca desceu errado. Detesto ter pensamentos “Criança Esperança” em que a vontade de mudar tem a cara do Didi e acontece todo ano; recebo um beijo nas costas. A Márcia quer mais e deixou um presente para depois: algumas gramas de coca.

São 00h57. Transei, cheirei e agora tô curtindo um onda louca. Ela me passou um violão e tô fazendo uma jam session para ela; quando cheiro sempre fico agitado e com vários pensamentos loucos na cabeça. Toco e choro. Paro de tocar e abraço aquela mulher na minha frente falando merda o tempo todo. Penso na minha mãe, penso na minha infância, penso na minha adolescência, penso naque... Lágrimas. Não vou trabalhar amanhã. Eu uso pó e no outro dia não consigo levantar. Meu pau não sobe mais e a Márcia foi deitar. São 02h20 e não preguei os olhos. Minha cabeça e meu corpo estão um caco e não aguento mais chorar. Talvez seja hora de mudar as coisas... Blah! Talvez seja hora deu calar o caralho da minha boca e beber mais. Lágrimas, cocaína, vodca e violão... Amanhã será mais um dia; amanhã será mais um amanhã.


Sanção Maia
22/06/11

Pra saber mais sobre esse personagem leia os texto - Parte 1/ Parte 2/ Parte 3Parte 4 





segunda-feira, junho 06, 2011

Relações

- Vai pegar a bola seu viado!

- Vai você filho da puta!

- É o que? Quer levar pau é?

- Tô dizendo que é viado? Gosta tanto de pau que quer dividir comigo. Sua bicha-puta, vá se fudê!

São 19h. As crianças de hoje em dia mal chegam aos dez anos e já pensam que são machões. A briga é feia de ver. Eles mal sabem dar um chute no saco ou um gancho no queixo. O que xingou primeiro perdeu o equilíbrio e tá no chão levando uns bons sopapos. Cuspo no chão e continuo fumando. Esse caminho pra minha casa é sempre assim: emoções patéticas sempre me rodeiam. Os gritos de “toma seu viado!” ou “se fudeu!” vão se afastando quando viro a esquina. O perfume da rua é sempre o mesmo: mijo, bosta, carniça de bozó e lixo. Passo por um beco e lembro que comi uma das minhas vizinhas ali. A puta louca achou que namoraria com ela, mas se ferrou – disse não e ela me perseguiu durante meses; ela ainda me espreita pela janela, mas depois que mandei ela pra “desgraça que a pariu” ela se afastou de mim. Isso é bom: não ter idiotas ao seu lado sempre facilita a vida.

Mais alguns metros e ascendo outro cigarro. ARGH! PORRA! CARALHO! Bate a merda do pé num caralho de uma pedra! Ainda bem que tô perto de casa. São 19h27. Abro a porta do prédio e subo mancando. Fico olhando as rachaduras e sentindo o fedor de mofo das paredes do edifício. Um dia essa merda cai. Chego no 204 e abro a porta; aquela bunda grande e branca está bem na minha frente. Filó, minha querida diarista, veio fazer faxina hoje. Nossa relação profissional é ótima: eu pago, ela vem; ela fica, eu a fodo; ela nunca dorme e vai feliz pra casa por ter alguém que a foda. São 19h32. Depois de apertar o rabo da Filó e ela ri, vou dar uma cagada. Pensar que trepo com essa quase sessentona com quase 100kg sempre me dá diarreia. Tolete, tragada, tolete, tragada; pego o papel e limpo; descarga, tragada, lavar a mão. Respiro o odor do sarapatel de meio-dia e abro a porta. Tá na hora de dar um trepada.

Os minutos passam. Nesse exato momento, como a Filó de quatro. Ela grita sempre:

- Ai,ai, ai, ai! O Sinhô é gostoso! Ui! Tá do jeito que eu gosto! Me tora, me tora!

Ela sempre faz zoada; depois de um tempo a Dona Gemima bate na minha porta pra reclamar que o prédio não é bordel. Viúva que não consegue fazer mais nada e vem me encher. São 20h13. Estou sentado numa cadeira na sala e a Filó se ajeita pra ir. Ela sempre me olha com felicidade; acho que esse é o meu destino: comer pessoas não fodíveis para fazê-las felizes. Ela sai com uma bermuda apertada e uma blusa branca com propaganda de político dizendo que deixou a comida na geladeira. Santa Filó dos Bons Buracos. Acendo um cigarro e o telefone toca.

- Filho! Você bem que poderia me ligar! Como você tá? A mãe tá com saudade... - Minha mãe é sempre assim.

- Tô do jeito que a senhora me deixou: cabelos penteados, indo à igreja todos os dias. Parei de fumar e beber. Não posso esquecer que agora sou cardiologista.

- Tem que ser irônico com sua mãe? Bebendo e fazendo besteira... o que tem de novo? O como vão as meninas?

- Latoya e Tiffany estão ótimas, mãe. Nada demais. A Filó mandou um beijo. Continuo sem namorada, indo no mesmo bar. E a senhora?

- Seu p...

- Pode não falar da família?

- É SUA FAMÍLIA!!!!

- Mãe... - O papo rola assim até ela cansar e bater na minha cara. Toda semana discutimos, toda semana ela me liga.

São 21h05. Abro um cerveja e um pacote de Mendorato. Ela nunca desistiu de mim. Tenho orgulho da minha mãe. Guerreira e suportou tudo com o sorriso e muita fibra; me aguentar é um trabalho que poucos podem realizar. Vou na janela; uns casais se amassando num canto mal iluminado e uns bebuns que andam e cantam o pagode da vez; um cachorro cheira um bozó recém colocado; as cinzas do meu cigarro caem naquela imundice que chamam de rua. Mais uma noite sem encostar na Sandy, pois ela anda dormindo bastante. Ligo a TV. Coloco um banquinho na minha frente e boto o pé que ainda doi. São 22h20.

Levanto e mexo na antena. Uma novela esquisita passa. Olho tudo aquilo e acho um saco. São 22h45. Nada que preste na TV. Mais um cigarro e mais uma breja. Penso em ligar pra algumas das GP's aqui da rua; elas sempre cobram barato e ficam satisfeitas; sempre pago antes e sempre deixo elas fazerem o que quiserem depois da foda. Espero que tragam bebida ou pó ou erva. Na minha casa só não aceito crack. Pego o telefone e ligo pra Diane. Ela vem em 10min e disse que vai trazer algo.

São 00h03. Pé doendo, sexo, drogas e rock'n roll. Diane, como sempre com seu corpo bem feito e cara assustadora. Ela adora fumar maconha e pular no meu pau. Penso em tudo: nos seios, na xoxota, na cara feia, na tristeza de repetir os mesmo erros, no abraço da fumaça de cigarro... 00h40. Diane vira a cara e dorme. Eu levanto e ainda manco do pé machucado. Ascendo um cigarro. A TV está na estática. Aquele som me lembra infância, me lembra o início da perda de inocência. Mãe, não vem aqui. Não consigo xingá-la e nem mandá-la embora. Meu peito dói, minhas lágrimas descem. Maconha sempre me quebra; me encosto num canto da parede e abraço minhas pernas. Escuto o Willian Waack desejar boa noite. Escuto, baixo a cabeça, me aperto. O sono dos covardes vai começar; me preparo e dou um sorriso sarcástico; hoje com certeza eu vejo o Diabo.

Sanção Maia
22/05 (até ter tempo para terminar o texto) 06/06.

Pra saber mais sobre esse personagem leia os texto - Parte 1/ Parte 2/ Parte 3