segunda-feira, junho 06, 2011

Relações

- Vai pegar a bola seu viado!

- Vai você filho da puta!

- É o que? Quer levar pau é?

- Tô dizendo que é viado? Gosta tanto de pau que quer dividir comigo. Sua bicha-puta, vá se fudê!

São 19h. As crianças de hoje em dia mal chegam aos dez anos e já pensam que são machões. A briga é feia de ver. Eles mal sabem dar um chute no saco ou um gancho no queixo. O que xingou primeiro perdeu o equilíbrio e tá no chão levando uns bons sopapos. Cuspo no chão e continuo fumando. Esse caminho pra minha casa é sempre assim: emoções patéticas sempre me rodeiam. Os gritos de “toma seu viado!” ou “se fudeu!” vão se afastando quando viro a esquina. O perfume da rua é sempre o mesmo: mijo, bosta, carniça de bozó e lixo. Passo por um beco e lembro que comi uma das minhas vizinhas ali. A puta louca achou que namoraria com ela, mas se ferrou – disse não e ela me perseguiu durante meses; ela ainda me espreita pela janela, mas depois que mandei ela pra “desgraça que a pariu” ela se afastou de mim. Isso é bom: não ter idiotas ao seu lado sempre facilita a vida.

Mais alguns metros e ascendo outro cigarro. ARGH! PORRA! CARALHO! Bate a merda do pé num caralho de uma pedra! Ainda bem que tô perto de casa. São 19h27. Abro a porta do prédio e subo mancando. Fico olhando as rachaduras e sentindo o fedor de mofo das paredes do edifício. Um dia essa merda cai. Chego no 204 e abro a porta; aquela bunda grande e branca está bem na minha frente. Filó, minha querida diarista, veio fazer faxina hoje. Nossa relação profissional é ótima: eu pago, ela vem; ela fica, eu a fodo; ela nunca dorme e vai feliz pra casa por ter alguém que a foda. São 19h32. Depois de apertar o rabo da Filó e ela ri, vou dar uma cagada. Pensar que trepo com essa quase sessentona com quase 100kg sempre me dá diarreia. Tolete, tragada, tolete, tragada; pego o papel e limpo; descarga, tragada, lavar a mão. Respiro o odor do sarapatel de meio-dia e abro a porta. Tá na hora de dar um trepada.

Os minutos passam. Nesse exato momento, como a Filó de quatro. Ela grita sempre:

- Ai,ai, ai, ai! O Sinhô é gostoso! Ui! Tá do jeito que eu gosto! Me tora, me tora!

Ela sempre faz zoada; depois de um tempo a Dona Gemima bate na minha porta pra reclamar que o prédio não é bordel. Viúva que não consegue fazer mais nada e vem me encher. São 20h13. Estou sentado numa cadeira na sala e a Filó se ajeita pra ir. Ela sempre me olha com felicidade; acho que esse é o meu destino: comer pessoas não fodíveis para fazê-las felizes. Ela sai com uma bermuda apertada e uma blusa branca com propaganda de político dizendo que deixou a comida na geladeira. Santa Filó dos Bons Buracos. Acendo um cigarro e o telefone toca.

- Filho! Você bem que poderia me ligar! Como você tá? A mãe tá com saudade... - Minha mãe é sempre assim.

- Tô do jeito que a senhora me deixou: cabelos penteados, indo à igreja todos os dias. Parei de fumar e beber. Não posso esquecer que agora sou cardiologista.

- Tem que ser irônico com sua mãe? Bebendo e fazendo besteira... o que tem de novo? O como vão as meninas?

- Latoya e Tiffany estão ótimas, mãe. Nada demais. A Filó mandou um beijo. Continuo sem namorada, indo no mesmo bar. E a senhora?

- Seu p...

- Pode não falar da família?

- É SUA FAMÍLIA!!!!

- Mãe... - O papo rola assim até ela cansar e bater na minha cara. Toda semana discutimos, toda semana ela me liga.

São 21h05. Abro um cerveja e um pacote de Mendorato. Ela nunca desistiu de mim. Tenho orgulho da minha mãe. Guerreira e suportou tudo com o sorriso e muita fibra; me aguentar é um trabalho que poucos podem realizar. Vou na janela; uns casais se amassando num canto mal iluminado e uns bebuns que andam e cantam o pagode da vez; um cachorro cheira um bozó recém colocado; as cinzas do meu cigarro caem naquela imundice que chamam de rua. Mais uma noite sem encostar na Sandy, pois ela anda dormindo bastante. Ligo a TV. Coloco um banquinho na minha frente e boto o pé que ainda doi. São 22h20.

Levanto e mexo na antena. Uma novela esquisita passa. Olho tudo aquilo e acho um saco. São 22h45. Nada que preste na TV. Mais um cigarro e mais uma breja. Penso em ligar pra algumas das GP's aqui da rua; elas sempre cobram barato e ficam satisfeitas; sempre pago antes e sempre deixo elas fazerem o que quiserem depois da foda. Espero que tragam bebida ou pó ou erva. Na minha casa só não aceito crack. Pego o telefone e ligo pra Diane. Ela vem em 10min e disse que vai trazer algo.

São 00h03. Pé doendo, sexo, drogas e rock'n roll. Diane, como sempre com seu corpo bem feito e cara assustadora. Ela adora fumar maconha e pular no meu pau. Penso em tudo: nos seios, na xoxota, na cara feia, na tristeza de repetir os mesmo erros, no abraço da fumaça de cigarro... 00h40. Diane vira a cara e dorme. Eu levanto e ainda manco do pé machucado. Ascendo um cigarro. A TV está na estática. Aquele som me lembra infância, me lembra o início da perda de inocência. Mãe, não vem aqui. Não consigo xingá-la e nem mandá-la embora. Meu peito dói, minhas lágrimas descem. Maconha sempre me quebra; me encosto num canto da parede e abraço minhas pernas. Escuto o Willian Waack desejar boa noite. Escuto, baixo a cabeça, me aperto. O sono dos covardes vai começar; me preparo e dou um sorriso sarcástico; hoje com certeza eu vejo o Diabo.

Sanção Maia
22/05 (até ter tempo para terminar o texto) 06/06.

Pra saber mais sobre esse personagem leia os texto - Parte 1/ Parte 2/ Parte 3 





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